Em tribunal, Harry acusa imprensa “vil” de ter sangue nas mãos
O duque de Sussex lançou ainda farpas ao governo britânico que, diz, está “no fundo do poço”. O filho de Carlos III é novamente esperado esta quarta-feira no Tribunal Superior de Londres.
O príncipe Harry lançou um ataque feroz contra o que qualificou como imprensa "vil", esta terça-feira, no Tribunal Superior de Londres. O duque de Sussex acusa os tablóides de terem destruído a sua adolescência e as suas relações posteriores, num testemunho de quase cinco horas no âmbito de um vasto processo contra a Mirror Group Newspapers.
Tornando-se o primeiro membro sénior da realeza britânica a sentar-se no banco das testemunhas de um tribunal em mais de um século, Harry confessou também que só pensar que alguém se intrometera ilegalmente na vida privada da mãe, a princesa Diana, o fazia "sentir-se fisicamente doente".
O quinto na linha de sucessão ao trono britânico e uma centena de outras pessoas estão a processar a Mirror Group Newspapers (MGN), empresa editora de títulos como Daily Mirror, Sunday Mirror e Sunday People, no Tribunal Superior de Londres, por alegações de recolha ilegal de informação entre 1991 e 2011.
No depoimento escrito com 50 páginas e em várias horas de perguntas feitas pelo advogado da MGN, Andrew Green, o filho mais novo de Carlos III reiterou que tem sido alvo de perseguições desde 1996, quando ainda era estudante.
Desde então, a imprensa tentou destruir as suas relações com namoradas, acusa, culpando os tablóides pelo fim da relação com Chelsy Davy, pela diminuição do seu círculo de amigos e por crises de depressão e até paranóia.
A reputação de “playboy”
Ainda na adolescência, recorda, era rotulado de "príncipe playboy", "rude", "falhado" e "desistente". "Olhando agora para trás, este comportamento da parte deles é totalmente vil", escreveu, declarando que os tablóides tinham incitado "ódio e assédio" à sua vida privada e à da mulher Meghan. Mais tarde, voltou a sublinhar: "Quanto mais sangue manchará os seus dedos dactilográficos antes que alguém consiga pôr fim a esta loucura?"
Questionado sobre quem se estava a referir, apontou o dedo: "Alguns dos editores e jornalistas que são responsáveis por causar dor, perturbação e, nalguns casos —talvez inadvertidamente — morte".
O advogado Andrew Green começou o interrogatório pedindo pessoalmente desculpa a Harry em nome da MGN por uma ocasião em que o grupo admitiu a recolha ilegal de informações pessoais, reconhecendo que tal "nunca deveria ter acontecido e não voltará a acontecer".
Green interrogou depois o príncipe, de forma forense e crescentemente hostil, sobre 33 artigos de jornal, cujos detalhes Harry alega terem sido obtidos de forma ilegal.
Com um ar descontraído e a falar com suavidade, mas com firmeza, Harry afirmou que tinham sido escritos milhares, se não milhões, de artigos sobre ele, enquanto o advogado pressionava para saber se tinha lido aqueles artigos em questão na altura em que foram publicados.
O representante da MGN insinuou que a angústia que tinha sofrido era causada pela cobertura da imprensa em geral, e não pelos artigos específicos da MGN, sublinhando que as peças em análise se baseavam em pormenores que já eram do domínio público. Em várias ocasiões, Green descreveu as alegações do duque de Sussex como "especulação total".
Quando questionado sobre a fonte de informação dos artigos implicados na acção judicial, Harry disse repetidamente que essa pergunta deveria ser feita ao jornalista que os escreveu, afirmando que pareciam suspeitos.
O duque, a viver actualmente nos Estados Unidos, voltou a quebrar protocolo real, quando aproveitou a ocasião para lançar farpas ao actual governo britânico e ao primeiro-ministro, Rishi Sunak. “O nosso país é julgado globalmente pelo estado da nossa imprensa e do novo governo, ambos que acredito estarem no fundo do poço.” De lembrar que a família real é conhecida por não proferir quaisquer comentários de teor político, mas Harry já não é membro activo no clã Windsor.
O drama vivido com os tablóides, acusou, também é sintoma de uma falha no sistema da democracia. A imprensa, reiterou, falha “em escrutinar o governo e, em vez disso, escolhe ir para a cama com aqueles que podem assegurar o seu status quo.”
"Harry, amamos-te"
Quando chegou ao tribunal, Harry sorriu brevemente ao passar pela multidão de fotógrafos e equipas de filmagem. Fora da sala de audiências, estendia-se a fila para aceder a um dos cerca de doze lugares reservados ao público no tribunal.
Mal entrou na sala, após um breve intervalo nos procedimentos, foi recebido com gritos de “Harry, nós amamos-te", vindos de um pequeno grupo que aguardava a oportunidade de entrar.
Na segunda-feira — dia em que Harry deveria ter comparecido na sala de audiências — o seu advogado David Sherborne lembrou que a princesa Diana também tinha sido vítima de pirataria informática. No depoimento, o duque atribui a culpa ao antigo editor do Daily Mirror, Piers Morgan.
Morgan, agora apresentador e radialista que trabalha para a News Corp de Rupert Murdoch, sempre negou qualquer envolvimento em escutas telefónicas ou outras actividades ilegais. Até agora, não reagiu às acusações de Harry.
"Sempre ouvi as pessoas referirem-se à minha mãe como paranóica, mas ela não era. Ela tinha medo do que lhe estava a acontecer e agora sei o que é", sublinhou Harry na declaração.
A MGN, actualmente propriedade do grupo Reach, já admitiu anteriormente que os seus títulos estiveram envolvidos em escutas telefónicas, tendo chegado a acordo em mais de 600 queixas, mas Green continua a defender que não há provas de que Harry tivesse sido vítima.
O advogado argumenta, ainda, que algumas das informações pessoais provinham de fontes do Palácio de Buckingham. Harry, que já tinha acusado a família e os seus assessores de conluio com os tablóides, respondeu: "De certos indivíduos, sim".
O julgamento do caso começou em Maio. O príncipe Harry é esperado em tribunal novamente esta quarta-feira.