Escolas à descoberta de Abril: “O que proibiam era o que dava alegria ao mundo”

Alunos entre os 14 e os 18 anos ficam a saber que a liberdade de que hoje desfrutam nem sempre existiu, que a escolaridade de hoje é uma conquista à beira de comemorar 50 anos.

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Escolas à Descoberta de Abril. “Não tinha noção do quão perto de mim estava” Nuno Ribeiro, Teresa Miranda, Henrique Lourenço
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Em 48 estabelecimentos de ensino já decorre o projecto Escolas à Descoberta de Abril, 25 de Abril 50 Anos, uma iniciativa da sociedade civil — de quatro antigos estudantes do Instituto Superior Técnico — com o patrocínio do Conselho Nacional de Educação, cujo presidente, Domingos Fernandes, integra esse grupo. O P2 esteve em dois estabelecimentos de ensino, os agrupamentos de Escolas Gardunha e Xisto, do Fundão, e de Escolas de São João do Estoril. O primeiro do interior, o segundo do litoral.

Em ambos, alunos do 9.º e do 12.º anos recolheram testemunhos de vida e preparam vídeos sobre o país que Portugal era antes do 25 de Abril de 1974. Neste trabalho, cada escola tem as suas peculiaridades.

No Fundão, há uma parceria com o Jornal do Fundão, cujo arquivo é memória viva desde 1946, e jovens entre os 14 e os 16 anos abordaram com estudantes mais novos a Revolução dos Cravos.

Já no Estoril, jovens de 17 e 18 anos têm um estimulante guião de filmagens, num curioso percurso que, através de um forte e casas, leva os estudantes da ditadura à resistência, concluindo com a revolta.

O ponto de partida é, sempre, a recolha de testemunhos, seja no âmbito familiar ou fora dele. Ao operarem estas informações, os alunos dos dois agrupamentos foram remetidos para uma época de que só os seus avós têm memória. Tempos, portanto, para eles desconhecidos. E, sobretudo, impensáveis.

Quando a vida é hoje marcada pela liberdade e os direitos, sem o arbítrio de prisão e torturas, pautada pelo reconhecimento das diferenças e não pela uniformidade, e pela Educação, desterrando o trabalho infantil e um mundo de aprendizes. Os estudantes descobriram, assim, uma contradição entre o cinzento da opressão e a paleta de cores vivas da democracia.

No Fundão, Lara, de 15 anos, expressou de forma poética o choque do passado com a actualidade. “O que proibiam era o que dava alegria ao mundo”, sintetizou. É ela a autora do título desta reportagem.

Fundão

Às 11 horas da manhã, apoiado na sua bengala, António Barata Esteves, de 82 anos, acede a uma sala da sede do agrupamento de Escolas da Gardunha e Xisto. À sua espera está Maria João, 16 anos, para uma entrevista. As colegas ouvem. “O meu filho que é aqui professor disse-me para vir”, revela. “Acho que qualquer testemunho é importante, os jovens aprendem a ser mais respeitadores”, assinala este assinante de sempre do Jornal do Fundão.

“É cedo trabalhar aos 14 anos”

Mais do que uma entrevista é a descrição de uma vida iniciada aos 14 anos que espera a jovem estudante. De varredor aos fornos de padeiro e à emigração para França, aos 23 anos: “Lá trabalhei no bâtiment, na construção civil, tive um acidente, fiquei dois anos sem trabalhar, fui para o desemprego e a Segurança Social francesa arranjou-me trabalho como segurança num supermercado, regressei à construção até 1981, foram 50 anos a trabalhar.”

O relato é gravado em vídeo para conhecimento, reflexão e memória futura. São histórias, episódios e mais histórias. Católico, “sempre fui católico”, tem a quarta classe, aprendeu francês com as freiras gaulesas. Nas férias a Portugal vinha de caminho-de-ferro. Mais uma memória: “Ao virmos de França, éramos nos comboios acompanhados pela PIDE [a polícia política do regime rebaptizada como Direcção-Geral de Segurança, mas com as mesmas sinistras funções sendo Marcello Caetano já sucessor de Oliveira Salazar]”, revela.

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António Barata Esteves emigrou para França aos 23 anos

“Quando regressei, o país tinha algumas melhoras, vivi em ditadura, mas aquilo que hoje sou devo à França”, reconhece. É um agradecimento ao país de acolhimento em contraste com a pátria madrasta. O país natal, esse, é seu devedor. “A emigração deu um grande passo para o desenvolvimento deste país, éramos um país amordaçado, mas quando regressei as pessoas já falavam à vontade, o medo tinha desaparecido.”

Neste discurso, tão pessoal como o incómodo do acidente de trabalho que o obriga ao apoio da bengala, não está, apenas, uma vida. Estão tempos diferentes, o antes e o depois, numa experiência única entre o medo e a liberdade.

“Não esperava que o senhor António começasse a trabalhar aos 14 anos, não é uma idade para começar a trabalhar, é muito cedo. Tenho 16 anos e ainda estou na escola, acho incrível estar a estudar aos 16 anos e não estar a trabalhar”, diz, com palavras de espanto, Maria João.

Ser informada de viva voz daqueles tempos impressionou a estudante. Um conhecimento à margem dos currículos, com a força da primeira pessoa.

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Bárbara
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Lara

“Foi interessante, não pensei que [António Barata Esteves] tivesse sofrido tanto, a vivência dele antes do 25 de Abril marcou-o”, admite. “Retirei da entrevista que a Educação hoje em dia é diferente, que foi bom o 25 de Abril para começarmos a ter liberdade. Se as pessoas não se tivessem revoltado, se não tivesse havido o 25 de Abril, não teríamos a liberdade de expressão e a liberdade de ser diferentes.”

No entanto, a surpresa maiúscula, o impensável hoje, foi a António Barata Esteves terem retirado o tempo de brincar e aprender, de ter uma vida ausente de direitos e com prematuras obrigações. Maria João não o esconde. “Então, era mais difícil ser aluno e ser professor”, desabafa.

“O país tem de mudar mais”

Antes da voz do “senhor António”, como a entrevistadora se lhe refere, já fora recolhido outro testemunho. O modus operandi mantém-se: o relato de um mais velho é transmitido pelo grupo de estudantes do 9.º ano aos colegas mais novos, do 1.º ciclo. A comunicação flui entre gerações, entra de fora para dentro na escola e difunde-se na comunidade educativa. O conhecimento ganha corpo. É mais vivo e intenso do que nos manuais. E suscita revelações.

Tarcidia, de 14 anos, confessa o seu agrado por este método. “Os miúdos participaram, gostei muito da experiência”, relata. Marta, da mesma idade, corrobora com o seu conhecimento próprio. “Eu fiz uma entrevista ao senhor José Manuel Dias, que é assinante do Jornal do Fundão, e eles [do 1.º ciclo] conseguiram entender”, afirma.

“Fiquei muita surpreendida por os mais novos saberem coisas sobre o 25 de Abril que, com a idade deles, eu não sabia”, revela Lara. “Eles sabiam a música que deu o sinal para os militares avançarem com a revolução, o Depois do Adeus, que eu não conhecia”, exemplifica. “Quero conhecer mais e dar a conhecer mais”, é a proposta de Benedita aos 15 anos.

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Iris
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Maria

Lara admite já ter experiência neste campo. “Gostar de partilhar conhecimento vem da parte da minha mãe, que escreveu dois livros para crianças e sempre gostou de partilhar o conhecimento com elas”, confirma. “Às vezes, ia com ela às apresentações dos livros, sempre foi uma coisa que gostei de fazer.”

Fazer a síntese do que ouviram leva a uma conclusão. O que hoje existe nem sempre ocorreu. Falam do antes e depois do 25 de Abril sem reverência histórica mas com esta referência de mudança. A contradição entre os tempos deriva dos testemunhos que estão a recolher e surpreende-os. No entanto, Beatriz, de 14 anos, é excepção: “Desde pequena que na minha família falam do 25 de Abril.”

Os preconceitos de que os jovens estão alheados ou desatentos à política são, também, desmentidos. Sobre o passado, da análise da actualidade e à visão do futuro. Bárbara e Maria, ambas de 14 anos, destroem estes estereótipos.

“Leio jornais, sou uma pessoa que gosta muito de dar pontos de vista e discutir assuntos, sou muita atenta à realidade”, afiança Bárbara. “Antes do 25 de Abril não o podia fazer, seria um poucochinho oprimida, com isso iria sofrer, tive bastante sorte de haver alguém que fizesse o 25 de Abril, para não sofrer.”

Não viveu o antes, mas testemunhos e a História revelaram-no. “Não podíamos expressar a nossa opinião, não podíamos demonstrar o afecto, as pessoas eram oprimidas, toda a gente tinha de pensar igual, o que acabava com a diversidade”, prossegue. Daí o impensável de (co)existir naqueles tempos. “Se vivesse nessa altura seria, para mim, um bocado estranho, seria diferente [de hoje], não podia estar a sorrir, hoje posso viver como quero, as pessoas acabam por entender que somos todos iguais”, sublinha.

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Maria João

As palavras de Bárbara seguem a afirmação colorida de Lara — “O que proibiam era o que dava alegria ao mundo” —, na impossibilidade de haver felicidade sem liberdade.

Maria junta a esta evidência o desafio. “O país realmente mudou muito, mas ainda assim não está perfeito, tem de mudar mais”, assegura. “Há coisas que politicamente não são certas. Às vezes quando tenho tempo vejo as notícias ao jantar, ouço do que falam na Assembleia, o que acontece com a TAP, acho que muitas coisas não são justas”, exemplifica.

Não se detém e sobe a parada da contestação: “Se somos o futuro do país, a política tem um impacto em nós, é a política que nos vai comandar até ao fim das nossas vidas.” Não é premonição, este raciocínio é apresentado como facto.

Há uma certeza em todas estas estudantes do 9.º ano. Todas elas querem sair do Fundão e só voltar para a reforma.

Arquivo remonta a 1946

“A nossa ideia era fazer um projecto diferente, estabelecemos uma parceria com o Jornal do Fundão que nos permitiu ter acesso ao seu arquivo e virão à escola pessoas envolvidas com o jornal, como Arnaldo Saraiva, Rogério Rodrigues e o actual director Nuno Francisco”, afirma o professor Carlos Almeida. Nuno Francisco é o director do semanário que sai à quinta-feira, Depois de várias mudanças de editor e diversas vicissitudes que quase o levaram à extinção, em 2018, um grupo de jornalistas e professores universitários tomou as rédeas.

Hoje, a média de tiragem do semanário é de 8900 exemplares, mais de 90% das vendas correspondem a assinaturas — uma longa tradição desde a sua fundação em 1946 pela família Paulouro.

“Temos um arquivo que remonta a 1946, documentação histórica sobre o processo de suspensão pela censura durante seis meses em 1965, com os abaixo-assinados do protesto”, revela. Foi por ter noticiado, a 23 de Maio daquele ano, que a Sociedade Portuguesa de Escritores atribuiu o Grande Prémio de Novela de 1965 ao livro Luuanda, do escritor Luandino Vieira, então detido no campo do Tarrafal, que o semanário se tornou o primeiro jornal a ser suspenso em Portugal.

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Benedita

Os estudantes, salienta, têm manifestado muito interesse por aquele processo proibitivo. “É de valorizar esta iniciativa de reconhecimento ao 25 de Abril e à dura caminhada para chegarmos à democracia”, assinala o director.

As professoras Isabel Marques e Sílvia Rodrigues explicam como foi preparado o caminho que levará à realização, até ao final do ano lectivo, de um vídeo com 12 minutos e um jornal digital. “Começa pela abordagem temática ­­­—​ o papel do capitão Salgueiro Maia no 25 de Abril, a influência das associações de estudantes e os órgãos políticos pós 25 de Abril —, os alunos elaboram um questionário e, depois, há o tratamento final”, avança Isabel Marques. “Também vamos fazer a comparação de indicadores”, anota Sílvia Rodrigues.

São João do Estoril

No agrupamento de escolas de São João do Estoril, concelho de Cascais, Joana e Manuel, dois alunos do 12.º ano, aguardam no pequeno estúdio da rádio escolar o seu convidado. Os testemunhos são essenciais e o objecto da iniciativa Escolas à Descoberta de Abril, 25 de Abril 50 Anos. Num estabelecimento de ensino frequentado por jovens de classe média e média alta — no parque de estacionamento estão alinhados alguns pequenos veículos com motor de moto que substituem em comodidade e segurança os tradicionais motociclos utilizados pelos adolescentes ­—​, a mobilização não foi tão grande como no Fundão, envolvendo um número menor de estudantes.

O P2 acompanhou a gravação, e as reacções dos dois entrevistadores, do relato de uma vida, a de José Pedro Soares, 73 anos, deputado do PCP na Assembleia Constituinte. Um depoimento do Ribatejo natal ao forte de Peniche, de onde foi libertado em Abril de 1974.

“Um país atrasado e escuro”

“Fui pastor de ovelhas, então mais de metade da população vivia da agricultura e era baixa a escolaridade dos jovens”, recorda a Joana e a Manuel, de 18 e 17 anos. “Aos 14 anos, fui trabalhar para uma tipografia em Vila Franca de Xira, estudei à noite na escola industrial e com outros criei uma pré-associação”, prossegue. O trabalho em tenra idade tinha uma categoria própria — o aprendiz —, e Pedro Soares refere as poucas condições de trabalho e o que a legião de aprendizes construiu: Amadora, Paço d’​Arcos, obras públicas…

O registo é pessoal — “frequentava colectividades” —, mas a militância política aparece como o desaguar natural da história individual com a revelação do pseudónimo partidário e clandestino de Dionísio. “Então, censurava-se tudo, todos os livros, jornais, até os programas de rádio, éramos sempre castrados”, descreve. Aborda a importância do movimento estudantil iniciado na década de 60, a influência da Guerra Colonial nos jovens de então, e não esquece o despertar das consciências motivado pelas cheias de 1967 na área da Grande Lisboa: “Morreram centenas de pessoas, mas o seu número exacto foi sempre censurado.”

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José Pedro Soares, 73 anos, foi deputado do PCP na Assembleia Constituinte

O relato adensa-se em emotividade, com a prisão, enquanto militar, na serra da Carregueira: “Houve uma pessoa que foi presa e me denunciou.” E as descrições das torturas a que foi submetido: “Estive seis dias e seis noites em tortura de sono na António Maria Cardoso [a rua onde estava a sede da PIDE, em Lisboa], sofri agressões físicas e psicológicas, ouvia guinchos, barulhos, as vozes da minha namorada e da minha mãe, tive alucinações, via bichos e baratas, tinha muitas informações, mas não lhes disse nada — nunca falei, nunca falei.”

José Pedro Soares foi julgado em tribunal militar. “Estive 23 meses em Caxias e mais um ano no forte de Peniche”, revela. Uma contabilidade impensável para os jovens entrevistadores. “Só saí da prisão no 25 de Abril, saí com aquela multidão ali à espera, os presos políticos foram muito acarinhados”, termina com voz embargada.

A síntese de vida é breve e gráfica. “Esta é a radiografia de um país atrasado e escuro”, conclui.

“Considero-me cheio de sorte”

O relato é denso. Os entrevistadores/estudantes agradecem. Meditam e confessam-se.

“Quando o meu professor falou no assunto, achei interessante ouvir como se vivia, os meus pais falavam disso pela experiência dos meus avós”, refere Joana. Mas o que ouviu de viva voz e em linguagem crua é diferente da memória familiar. “Nunca soubemos como era viver em ditadura, viver sem os nossos direitos, as nossas liberdades individuais e a nossa liberdade de expressão”, diz.

A medida de aferição desta comparação é simples: a actualidade. “Hoje, temos o direito e a liberdade de dizer tudo aquilo que queremos, de fazer o que queremos dentro das leis”, constata.

“Nunca experimentámos essas vivências sem liberdade e, se tal voltasse a acontecer, não íamos conseguir habituar-nos”, afirma. O regresso a um país atrasado e escuro, na formulação do velho militante, não é contemplado e muito menos os seduz. Mais: é, mesmo, impensável. “Ia ser muito complicado para todos os jovens e para todos os que já estão habituados a viver com as nossas liberdades e com todos esses direitos”, assinala. A liberdade não é oca e as liberdades vão de mãos dadas com os direitos.

“Para mim, a liberdade é fundamental; é mesmo fundamental”, finaliza.

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Joana
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Manuel

Também Manuel afirma ser impensável um regresso ao passado. Mas existem sobressaltos. “Não tinha a noção de qual real era a tortura, não tinha a noção do tipo de torturas que eram feitas”, admite. “E não tinha a noção de quão perto de mim estiveram, normalmente é uma coisa que vemos em séries e em filmes”, salienta. Daí o sobressalto e a inquietação.

“O que mais me impressionou foi a forma como torturavam para deixarem o senhor José [José Pedro Soares] completamente fragilizado com a tortura do sono, que acho deve ser a pior”, destaca. “Os meus avós que têm 82 anos não me falaram de torturas, mas de como se vivia antes”, revela. “Na altura [antes do 25 de Abril], eles estavam em Angola, ele na Guerra Colonial, ela a dar aulas de História”, descreve. A avó, também antiga professora do agrupamento de escolas de São João do Estoril, vai dar o seu testemunho.

Há alívio no balanço que Manuel faz sobre o que ouviu. “Considero-me cheio de sorte, nunca conseguiria adaptar-me [à vida] de 50 anos”, sentencia.

Da queda ao derrube

“Uma dezena de alunos ofereceu-se para fazer entrevistas, mas não houve um grande feedback da comunidade escolar”, reconhece o professor Jorge Freitas. Tal como no Fundão, a opção foi por um documentário em vídeo de 12 minutos. Se na cidade da Beira Baixa a contribuição da memória conservada nos arquivos do Jornal do Fundão é essencial, em São João do Estoril a pesquisa está condensada em Resistência e Liberdade em Cascais, uma iniciativa da câmara municipal.

No guião das filmagens, o tempo da ditadura é ilustrado pelo forte de Santo António da Barra, em São João do Estoril, onde a 3 de Agosto de 1968 António de Oliveira Salazar caiu de uma cadeira de lona, nunca recuperando do acidente. O que seria o fim do salazarismo, com a sua substituição, na Presidência do Conselho de Ministros por Marcello Caetano. Aquela fortificação utilizada como residência de férias do ditador e popularmente conhecida como Forte Salazar foi então rebaptizada com ironia pela oposição como Torre do Tombo.

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Na Vila Arriaga, no Estoril, decorreu o III Congresso do PCP, em Novembro de 1943, o primeiro na clandestinidade
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Casa em S. Pedro do Estoril, onde em 1945 funcionava uma tipografia clandestina do jornal Avante
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Casa das Pedras, na Parede, residência do opositor Mário de Azevedo Gomes, que integrou a Aliança Republicana e Socialista

Na resistência, há referência a oito casas, quatro das quais já demolidas, mas as que sobreviveram ao camartelo têm história, especialmente ligada aos comunistas. Na Villa Arriaga, no Monte do Estoril, decorreu de 10 a 13 de Novembro de 1943, o 3.º Congresso do PCP, o primeiro na clandestinidade. Em plena Guerra Mundial, foi naquele edifício que Álvaro Cunhal apresentou o texto A unidade da Nação Portuguesa na Luta pelo Pão, pela Liberdade e pela Independência, em vésperas da formação do Munaf — Movimento de Unidade Nacional Antifascista.

Nove anos depois, em finais de 1952, numa casa em São Pedro do Estoril, onde desde 1945 funcionava uma tipografia clandestina, teve lugar a 4.ª reunião ampliada do Comité Central. Na ordem de trabalhos é discutido o panorama colonial e a campanha de recrutamento de novos militantes. Em 1957, no seu 5.º Congresso, os comunistas aprovam na Casa dos Cedros, na Galiza, o seu programa e estatutos, e reconhecem o direito dos povos das colónias à independência.

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Casa dos Cedros, no Estoril, onde teve lugar em 1957 o V Congresso do PCP
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No atelier do arquitecto Braula Reis, em Cascais, decorreu uma reunião, a 5 de Março de 1974, com 200 oficiais do MFA

Já na Casa das Pedras, na Parede, em plena Avenida Marginal, viveu Mário de Azevedo Gomes, vulto da oposição ao Estado Novo, que integrou a Aliança Republicana Socialista e apoiou o Munaf.

Simbolicamente, o tempo da revolta é ilustrado pelo atelier do arquitecto Braula Reis, no centro histórico de Cascais. Naquele andar, a 5 de Março de 1974, a 11 dias da tentativa do golpe de 16 de Março das Caldas da Rainha e um mês antes de arrancar da Escola Prática de Cavalaria de Santarém para Lisboa a coluna militar comandada pelo capitão Salgueiro Maia que derrubou o regime, decorreu uma reunião de 200 oficiais dos três ramos do Movimento das Forças Armadas.

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