Há 20 mil crianças portuguesas em risco de pobreza. Perigo de “fome do Verão”
A directora executiva da Unicef Portugal, Beatriz Imperatori, sugere um “mecanismo transversal” e dados actuais para o combate à pobreza infantil. INE explica que avaliação é igual nos países da UE.
A Unicef Portugal alerta para a necessidade de um estudo mais actual e profundo sobre os factores que todos os anos empurram milhares crianças residentes no país para o limiar da pobreza. Ao PÚBLICO, a directora executiva da Unicef Portugal, Beatriz Imperatori, argumentou que os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre a pobreza infantil no país, publicados em Janeiro, mas relativos aos rendimentos das famílias em 2021, são insuficientes para espelhar a realidade, uma vez que estão distantes do actual contexto social e económico.
Para a directora executiva da Unicef Portugal, a criação de um “mecanismo de monitorização transversal” aos diferentes factores seria importante para, além dos rendimentos das famílias, compreender “o acesso das crianças ao ensino pré-escolar, a cuidados de saúde, a uma alimentação equilibrada e a qualidade da habitação”. Assim, acrescentou Beatriz Imperatori, será possível acompanhar os diferentes casos e elaborar outras medidas.
Esta “avaliação multidimensional” apresenta-se como útil, sobretudo enquanto “decorre uma crise habitacional”, e quando “a inflação na alimentação e na electricidade” ameaçam atirar “mais 10 ou 20 mil crianças” para o limiar da pobreza, apesar das medidas apresentadas pelo Governo, argumentou a directora executiva da Unicef Portugal.
Além disso, o aproximar do período de férias escolares leva Beatriz Imperatori a lembrar a “fome do Verão”, alertando para a incapacidade de as crianças continuarem a usufruir de refeições gratuitas providenciadas pela acção escolar. Por isso, sublinhou, o Governo deve planear “subsídios constantes”, capazes de se ajustar aos graus de inflação e à "realidade flexível".
“Ao definir uma caracterização específica dos grupos sociais, corremos o risco de excluir algumas pessoas. Apenas quando existir um quadro completo sobre as várias dimensões referidas é que seremos capazes de avaliar o aumento ou decréscimo de crianças em risco de pobreza ou em pobreza extrema”, explicou.
Trabalhar com dados actualizados
Apesar de reconhecer a importância dos dados publicados pelo INE, Beatriz Imperatori lamenta que em 2023 a Unicef Portugal tenha de estudar a pobreza no país com dados de 2021 e 2020, quando a sociedade portuguesa foi influenciada por vários factores externos nos últimos anos, como a pandemia e a guerra na Ucrânia.
Portanto, para a directora da Unicef Portugal, “o ideal seria, em Maio de 2023, trabalhar com dados do ano anterior”, uma vez que as métricas desactualizadas impedem a instituição de compreender se as medidas implementadas foram suficientes para “recuperar as crianças da situação de pobreza”.
No plano europeu, a análise é ainda mais complicada, uma vez que a comparação apenas pode ser estabelecida a partir do último ano em que existem relatórios de todos os países da UE. Por isso, os dados de 2019 alinhavam Portugal, que registava 19,1% de crianças no limiar de pobreza, com a Suécia (18,7%), França (19,4%) e Bélgica (20%). Espanha, por sua vez, registava 27,4% de menores em risco de pobreza.
Uma vez que o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento das Famílias varia consoante o rendimento mínimo definido para cada país, os números devem ser interpretados consoante o acesso a serviços públicos, gratuitos e sociais, como o sistema de saúde, explicou Beatriz Imperatori.
Questionado pelo PÚBLICO, o gabinete de comunicação do INE remeteu, em resposta por email, para os dados dos Censos de 2021, e apontou para o regulamento da União Europeia sobre o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento das Famílias, comum a todos os Estados-membros. "Em Portugal, em 2021, a taxa de risco de pobreza correspondia à proporção de habitantes com rendimentos monetários inferiores a 6608 euros (551 euros por mês)", acrescentou.
O relatório publicado pelo INE em Janeiro, relativo aos rendimentos das famílias residentes em Portugal em 2021, revelaram a diminuição da taxa de risco de pobreza infantil dos 20,4% para os 18,5%, o mesmo valor de 2018 e o mais baixo desde 2016. De acordo com o relatório de 2020, pelo menos 346 mil crianças residentes em Portugal subsistiam no limiar da pobreza.
Dados do Eurostat revelam que, entre 2020 e 2021, mais 200 mil crianças residentes na União Europeia (UE) passaram a viver no limiar da pobreza, num total que ultrapassa os 19,6 milhões de menores nessa condição. Em Portugal, até 2020, pelo menos 346 mil crianças subsistiam em risco de pobreza.