“Os alunos estão agarrados ao telemóvel no recreio.” Petição tenta mudar isso

Especialistas alertam para redução de socialização nas pausas escolares. Colégio Moderno, em Lisboa, proibiu telemóvel há mais de 15 anos

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Petição criada para limitar uso de telemóvel nas escolas Rui Gaudêncio
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A campainha toca e a tradicional algazarra do recreio é substituída por um estranho silêncio. Os alunos “colam-se” aos telemóveis durante o intervalo, isolando-se no seu pequeno mundo virtual e negligenciando a socialização. Esta realidade alastra-se a cada vez mais escolas, com os encarregados de educação a procurarem uma mudança. A criação de uma petição pública que defende a limitação dos telemóveis no recreio foi a alternativa: foram até ao momento recolhidas mais de 2610 assinaturas, num problema identificado pelos especialistas.

“Verifica-se cada vez mais nos recreios que os alunos, em vez de estarem a jogar à bola, saltar à corda ou a conversar, estão agarrados ao telemóvel. Não estamos a falar apenas de adolescentes do secundário, já há meninos do primeiro ciclo com telemóvel na escola. E os pais permitem! Compreendo muito bem esta petição: os pais percebem que os filhos, em vez de estarem num momento lúdico, estão ‘agarrados à máquina’”, lamenta Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas.

Reconhecendo o potencial de aprendizagem no uso de tecnologia controlado pelos professores, Filinto Lima defende alguma regulamentação. Os autores da petição sugerem a existência de caixas, armários ou cacifos onde os telemóveis possam ser depositados no primeiro tempo lectivo. A recolha seria feita no momento em que os alunos abandonassem a escola, evitando assim o uso dos dispositivos no intervalo. O que diz a lei sobre isto?

Na prática, cada escola é livre de fazer as suas escolhas. A Lei n.º 51/2012, relativa à aprovação do estatuto do aluno, proíbe apenas a utilização de aparelhos electrónicos “em locais onde decorram aulas ou outras actividades formativas”. Os telemóveis são apenas referidos nessa alínea, deixando ao critério dos alunos o uso durante os intervalos. Momento em que começam a ser desenhados muitos dos casos de cyberbullying, alertam os especialistas.

“A utilização dos ecrãs pessoais está muito relacionada com a prática de cyberbullying. A maior parte é praticada com [base em] imagens e texto recolhidos em contexto de escola. Também isso [a limitação] é um comportamento preventivo e promotor do bom desenvolvimento”, explica Rosário Carmona e Costa, psicóloga e fundadora do Instituto Belong.

A partilha de imagens recolhidas nas escolas sem a expressa autorização da direcção é uma das acções proibidas no estatuto do aluno, mas a presença de telemóveis e outros dispositivos dificulta este controlo. Nas redes sociais, é comum encontrar vídeos gravados pelos alunos, seja nas salas de aula ou durante o recreio. Imagens de violência ou comportamentos desapropriados são livremente partilhados nas redes sociais, sem grande controlo possível e em clara violação do normativo legal.

“Em algumas faixas etárias, é irrealista achar que um jovem terá acesso a um equipamento altamente estimulante e o vá manter desligado e não o usar. É a mesma coisa que dizer que se está a fazer uma dieta com um chocolate no bolso para treinar o autocontrolo. Temos de olhar para os telemóveis como uma ferramenta e não como um direito adquirido”, reitera a psicóloga.

O PÚBLICO endereçou perguntas ao Ministério da Educação sobre este tema, mas não foi possível obter respostas.

Telemóveis proibidos… em 2008

Enquanto algumas escolas debatem a possibilidade de limitação dos telemóveis, há uma que é líder isolada nesta discussão, ao proibir estes dispositivos desde, pelo menos, 2008. Ainda antes do boom do Facebook – e num momento em que o Hi5 era a principal rede social e os dados móveis uma raridade –, o Colégio Moderno, instituição privada no Campo Grande, em Lisboa, proibiu a utilização destes dispositivos. Volvida década e meia, a decisão é cada vez mais elogiada.

“Achámos que, por uma questão de saúde mental, era melhor eles não estarem com os telemóveis”, relembra Isabel Soares, directora do colégio. Para esta limitação contribuiu a – bem documentada – ligação entre a exposição aos ecrãs e a diminuição da atenção, bem como o potencial de redução de socialização. O regulamento manda, os pais apoiam.

“Nunca tivemos qualquer espécie de desagrado por parte dos pais. Sabem que é a regra, assinam o regulamento interno quando inscrevem os seus filhos. Existiu apoio generalizado [ao adoptar a medida]”, garante Isabel Soares, não escondendo alegria por ver os alunos a “falar e brincar saudavelmente” nos corredores.

Não há obrigatoriedade de entrega do telemóvel na chegada à escola, com os alunos a comprometerem-se a deixar os telemóveis desligados nas mochilas até ao fim das aulas. Mas como é que se faz esse controlo?

“Não somos polícias”, responde logo a directora, entre risos. Se forem apanhados a quebrar esta regra, o telemóvel é confiscado pelo contínuo e levantado na presença do encarregado de educação. Um factor dissuasivo o suficiente, na vasta maioria dos casos.

O que se faz lá fora?

A abordagem a este desafio varia consoante o país. Em 2018, as crianças francesas ficaram proibidas por lei de poder utilizar telemóvel na escola, com o objectivo de combater casos de bullying e diminuir as distracções. O projecto de lei foi aprovado por maioria, numa legislação que também atingiu os professores.

Medida idêntica à adoptada recentemente pelo estado de Nova Gales do Sul, na Austrália. “Sei que muitos pais estão ansiosos com a perversão dos telemóveis e da tecnologia nos ambientes de aprendizagem dos nossos filhos. É tempo de limpar as distracções desnecessárias e criar melhor ambientes para a aprendizagem”, resumiu Chris Minns, primeiro-ministro da Nova Gales do Sul.

Nos Estados Unidos, dados citados pela PBS mostram que 76% das escolas públicas proibiram a utilização de telemóveis nas escolas, mas também há registo de protestos dos encarregados de educação contra a medida.

Já em Itália, o enquadramento é idêntico ao português: os telemóveis estão proibidos no interior das salas, de modo a minimizar as distracções.

Para Filinto Lima, a discussão sobre a exposição dos mais novos aos ecrãs é importante, mas tem também de acontecer fora do contexto escolar. Uma das alternativas defendidas pelo responsável passa pela criação de actividades capazes de cativar os alunos durante o recreio e substituir a necessidade de usarem o telemóvel.

“Isto é um assunto não só da escola, acho que é uma preocupação da sociedade. Vemos os pequenos com o telemóvel na escola, é verdade, mas também os vemos no restaurante, no autocarro ou no carro com os pais. Penso que isso pode ter consequências negativas no seu crescimento”, lamenta.

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