Em Mértola, festival da história, ergue-se um novo hammam e Casa de Chá

Vila museu, epicentro do Festival Islâmico por estes dias, Mértola tem nova estrela: hammamem casa restaurada, com banhos árabes, por agora só para visitar, e casa de chá pronta a provar.

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Mértola das águas, agora com banhos árabes (com tratamentos e rituais a partir de Outubro) dr
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Vista para o rio a partir da chamada Casa Côr-de-Rosa, que recebe o novo hamman dr
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O Hamman vai oferecer vários serviços e rituais a partir de Outubro dr
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Mármores e azulejos marcam o espaço dos banhos árabes dr
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A abóboda foi realizada até ao detalhe da perfeição dr
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O Hamman vai utilizar quase exclusivamente produtos e ingredientes locais dr
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O projecto de arquitectura é do especialista José Alegria dr
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O edifício foi recuperado de alto a baixo, mantendo do mosaico hidráulico aos azulejos dr
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Há mil e um detalhes para apreciar nos materiais nobres, da madeira ao ferro dr
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Pelo espaço luminoso, não faltam as intimidades dos jogos de luz e sombras dr
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Por Mértola, vila museu ao Guadiana aninhada, já se sabe: a história está viva e vive-se. É só chegar, sentir a torreira do sol e o prazer da sombra, ir serpenteando por aquela que é, definitivamente, uma das mais belas e charmosas terras do Alentejo, com o casario branquinho como monumento a elevar-se sobre o rio a que tanto deve, e a história de milénios a mostrar-se a céu aberto.

Não é em vão que é vila museu e a Myrtilis romana, a Martulah islâmica - revivida por estes dias no imponente e massivo Festival Islâmico -, a Mértola cristã, entrecruzam-se por 14 núcleos que, no seu conjunto, entre museus e campos arqueológicos, perpassando as várias épocas e religiões, fazem o Museu de Mértola - Cláudio Torres (em homenagem ao "pai" do campo arqueológico e do museu).

Mas a história aqui é dinâmica e há sempre novidades: a vila tem nova estrela, o Hammam e sua Casa de Chá, prontos a estrear a tempo do festival. Mais uma mostra do entrecruzamento dos tempos, curiosamente num edifício que já noutras eras, muito recentes, era local de curas.

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Passamos o portão da antiga casa do Dr. Gomes, respeitado médico local, e abrimos os olhos de espanto para um pátio soalheiro com jardim interior em crescimento onde uma grande nespereira ergue os seus ramos. Entramos no edifício restaurado, ainda a cheirar a novo, e ouvimos: “Esta casa surge como um espaço de junção de culturas, de desenvolvimento dos sentidos.” É Susana Menezes, responsável pelos novos banhos árabes, que nos fala com um sorriso luminoso de boa anfitriã, porque esta já é também a sua casa. Dois passos directamente para a sala de chá e tudo se revela, das madeiras nobres aos móveis restaurados ou novos feitos para o local, o mosaico hidráulico, o mármore e os azulejos, os arabescos e os entalhamentos com simbologia árabe, os recortes de luz e sombra, a icónica chaminé. Doçaria, menta, laranja, rosmaninho e esteva cirandam pelos ares.

O Hammam quer-se, como Mértola, museu vivo: agora abre só a visitas, com workshops ("cosmética natural, ioga facial, remédios e mezinhas​") e a casa de chá a funcionar, mas em Outubro começa a propor rituais e tratamentos que cumprem os princípios dos históricos banhos. Curiosamente, entre tanto achado, Mértola ainda não achou o seu hammam. “Só falta encontrá-lo, os seus restos estarão por aí”, diz Susana, reforçando que esta será “uma experiência halal, para respeitar a cultura islâmica e a história” - uma parceria com a Escola Halal de Córdoba reforça a prática -, mas adaptada ao Ocidente.

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O edifício que era casa e consultório do antigo médico foi todo recuperado dr

É assim que, por exemplo, havendo dias e períodos em que os rituais serão só para homens ou só para mulheres, também haverá “versatilidade”, e até poderá haver sessões para “casais ou famílias”. E que “não há carne, muito menos o porco”, ri-se Susana. "Mas somos versáteis e abertos a todos”, por isso haverá bons vinhos alentejanos: “Não vamos ser radicais.”

No piso de baixo, abrem-se em regalo as salas do Hammam, que seguem o regime das várias temperaturas, começando pela sauna húmida “para abrir os poros”. Purificar através da água é o princípio de tudo.

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Os tradicionais rituais começam em Outubro dr

A mármore branco e azulejos verdes vindos de Fez (Marrocos é a inspiração principal para todo o conceito), com as paredes revestidas a tadelakt, velha técnica árabe com dedo marroquino para isolar paredes em zonas húmidas, todo o projecto tem o toque da sabedoria: é do arquitecto José Alegria, especialista em arquitectura árabe e nas suas fusões, com obra feita pelo país e também em Mértola (como o Museu de Arte Islâmica), por sinal cônsul honorário de Marrocos. “É um perfeccionista, a [impressionante e pormenorizada] abóbada teve de ser feita e refeita até à perfeição”, há-de dizer-nos Rosinda Pimenta, vice-presidente da câmara de Mértola.

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Este é, todo ele, um projecto autárquico. A Câmara adquiriu o edifício, conhecido como a Casa Cor-de-Rosa, uma das mais nobres da vila, exemplar da arquitectura neoclássica. Foi mandado construir por Manuel Francisco Gomes, no século XIX. Era um comerciante e proprietário de barcos do Guadiana, que a deixaria para o filho, o Dr. Gomes, que tinha aqui o seu consultório. Num sítio em que se curava quase tudo, parece natural nascer um hammam. E o seu subsolo também faz parte da história: “Foram achados vestígios e quatro estátuas romanas gigantescas, todas sem cabeça. Uma delas de um imperador”, explica Rosinda Pimenta. A câmara, que investiu cerca de um milhão no projecto (com apoios do programa 2020 e do Turismo de Portugal), garante a preservação dos achados e assim deverá nascer mais um museu “com certa monumentalidade”, incluindo a colocação do imperador a imperar sobre o rio em ponto estratégico. As obras não foram fáceis, entre os estudos, os achados, a pandemia…

Mas cumpriu-se o sonho. Na casa de chá, vamos poder degustar criações tradicionais e com o dedo de outra estrela, Sahima Hajat, nascida em Moçambique e a viver em Portugal há mais de uma década, a vencedora do Masterchef português este ano. Por agora, faz workshops no local, mas, como nos dizem, “ficará associada à oferta gastronómica do Hammam”. Esperem-se húmus e falafel, cuscuz, pão árabe, babaganoushe (pasta de beringela assada), muahmara (pasta de pimentos assados), salada de tâmaras, lahmacun de caju ou de ázimo…

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Lá para o final do Verão, entram em acção os rituais dos banhos árabes. “Os produtos usados serão todos locais, incluindo óleos essenciais de produtores locais que trabalham as nossas plantas, a esteva, o rosmaninho”, diz-nos Susana Menezes. Mas Marrocos também se sentirá na pele, como no caso do sabão negro. Entre ir para a sauna húmida para purificar, libertar as toxinas (“limpar o corpo para a alma habitar”, sintetiza Susana), este processo (também “cultural, social”), segue pela “sala da pedra quente onde a terapeuta aplica o sabão negro e faz a esfoliação com a luva, muito áspera. Até pode parecer agressivo, mas a ideia é mesmo retirar toda a pele morta e impurezas no corpo”. Depois, água e aplicação de argila, e, enquanto se seca, há reflexologia, massagem dos pés, um final com banho de rosas e perfumes”, conta a especialista. Haverá quatro rituais diferentes e os preços, “democráticos”, começam em 39 euros (até 120), com mais oportunidades para os residentes, “para todos poderem experimentar”.

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Haverá ainda mais surpresas, a anunciar a seu tempo. “No jardim há uma mufla [forno], onde se coze cerâmica. Vamos reactivar isso, porque antigamente faziam-se em Mértola peças extraordinárias, pratos lindos”, diz Susana, para quem o hammam já se tornou o seu mundo e lhe mudou a vida: nascida em Mértola, estudou osteopatia, andou pelo mundo a trabalhar em cruzeiros e spas e sorriu ao convite para os banhos árabes depois da experiência como gestora de spa no Douro (Six Senses, por sinal). É mais um dos papéis dos projectos em redor da vila museu e festival: funcionar como atracção para visitas, é certo, mas também para o regresso e fixação de pessoas, num concelho ameaçado pela desertificação e com pouco mais de seis mil habitantes.

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Também de Mértola, e também com a mesma paixão notória pela vila e pelo projecto, estão Ana Cavaco, que se formou em gestão hoteleira e é técnica municipal, e João Rolha, do Núcleo de Apoio à Economia Local e Turismo e gestor do projecto. “É colocar a semente na terra e ter uma equipa para a desenvolver, como uma árvore que cresce com saúde e vai dando frutos”, diz-nos Rolha: “É uma casa para ter pernas por ela própria”, lança ao ar enquanto olhamos para outra margem do rio onde cresce, em antigos armazéns da EPAC, outro futuro maior de Mértola: são as obras da futura e internacional Estação Biológica, que atrairá centenas de profissionais para um megaprojecto que se dedicará à investigação e apoio à gestão de recursos naturais, biodiversidade, agroecologia, raças autóctones e cinegética.

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O Festival Islâmico, de 18 a 21 de Maio dr

O Festival Islâmico é um mundo

Tal como a vila, o Festival Islâmico recebe "pessoas que vêm buscar mundo e nos trazem mundo", diz a vice-presidente da autarquia, Rosinda Pimenta. Com entrada livre, torna as ruas de Mértola, protegidas do sol com tecidos coloridos e esteiras, um gigante souk. Esperam-se mais de 60 mil visitantes, dez vezes o número de habitantes do concelho. Há gastronomia, mercado global, oficinas, exposições (como a de Kaihan Hamidi, pintor afegão refugiado em Beja). Em grande destaque, sempre, a música: Eduardo Ramos e Além Cabul dia 18; os marroquino-espanhóis CusCus Flamenco e os sírios TootArd, no dia 19; os portugueses Expresso Transatlântico e Pedro Mafama, os argelinos Sofiane Saidi & The Mazalda, as fusões dos Ko Shin Moon, todos no dia 20. E muito mais eventos que seguem o mote de “promover o conhecimento, o diálogo, a tolerância e cidadania entre culturas; divulgar a cultura islâmica e produção contemporânea; fortalecer laços culturais, sociais e económicos com o Mediterrâneo", até "desenvolver a oferta turística muslim friendly”. De 18 a 21 de Maio por toda a vila, programação completa no site oficial.

A Fugas visitou Mértola a convite da autarquia.

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