O meu filho mente. E agora?

É importante que o adulto saiba distinguir as duas situações, para não correr o risco de criar o estigma da criança mentirosa, quando, na verdade, se trata apenas de uma fantasia.

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As crianças têm dificuldade em diferenciar a fantasia da realidade até cerca dos 5 anos Ilham Rahmansyah/Unsplash
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No processo educativo, a forma de melhor reagir às mentiras das crianças e dos jovens, e de tentar compreender as suas causas ou as suas motivações, representa um verdadeiro desafio para muitos pais e/ou educadores.

A intervenção associada à maioria dos casos aponta, a maioria das vezes, para o castigo corporal, a humilhação diante de irmãos, familiares ou amigos, ou a colagem do estigma “mentiroso/a”, que penaliza a criança e em nada ajuda a resolver a situação.

Vejamos:

Quando a criança é muito pequena, ainda não tem bem definidos os conceitos de verdade e de mentira, tal como os interpretamos enquanto adultos, pois não tem uma perceção crítica dos seus comportamentos.

Nos primeiros anos de vida, para a criança, realidade e fantasia fazem parte do mesmo imaginário, sem que consiga destrinçar os dois universos.

Ao fantasiar de forma inconsciente, a criança não sabe que está a construir uma mentira, por muito básica que esta seja. Numa idade mais avançada, em que já detêm um raciocínio mais elaborado, a situação pode passar a ter passa a ter outros contornos. Mas já lá chegaremos.

É, pois, importante que o adulto saiba distinguir as duas situações, para não correr o risco de criar o estigma da criança mentirosa, quando, na verdade, se trata apenas de uma fantasia. Essa ponderação ajudará a criança a diferenciar o que é real e o que é imaginário.

As crianças têm dificuldade em diferenciar a fantasia da realidade até cerca dos 5 anos. A partir dos 6 anos, já conseguem brincar com a fantasia e criar, conscientemente, situações sabendo que são imaginárias.

A literatura aponta para o facto de a mentira se tornar algo intencional a partir dos 7 anos, quando a criança já adquiriu noções de valores sociais. Sabe, então, exatamente, distinguir a verdade da mentira e quando esta pode intencionalmente prejudicar o outro.

Apesar de ser normal e fazer parte do desenvolvimento da criança, é preciso atentar-se à intensidade e à frequência da mentira. Quando a criança começa a mentir em excesso ou sempre que um determinado assunto surge, transmite um sinal de que há algo errado e que a ajuda de especialistas deve ser procurada.

Porque mentem as crianças?

A mentira pode ser atribuída a diversos fatores. As crianças mais velhas podem muitas vezes mentir por receio de repreensões e castigos, para chamarem a atenção, para fugirem a responsabilidades ou para assumirem protagonismo entre pares.

O ambiente familiar também exerce grande influência na relação com a mentira. Se a criança está acostumada a ver os pais mentir em situações menores — como pedir à criança para responder que não tem ninguém em casa quando o telefone toca —, ela assimila que aquela atitude é natural e aceitável. Por isso, os adultos devem ter atitudes coerentes com o discurso de aversão à mentira, servindo de exemplo. Retomo o que defendi no artigo É urgente educar pelo exemplo.

Como reagir?

Detetada a mentira, importa falar sobre o assunto em família, tentar compreender a razão que levou a que ela surgisse. A criança ou o jovem devem sentir que o ambiente lhes é favorável, que é um clima de diálogo, de pensamento livre, sem julgamentos, um ambiente pronto a ouvir o que têm para dizer ou para contar (os seus medos, os seus fantasmas…).

Por estranho que pareça, aprender a mentir faz parte do desenvolvimento infantil. Porém, pouco a pouco, devemos levar a criança a compreender que as mentiras têm consequências para si, que podem abalar a confiança que os outros têm nela, e que podem, também, ter consequências negativas para os outros e abalar o relacionamento entre as pessoas.

A possibilidade de reparar um erro é muito mais eficiente do que um castigo. Se a criança mentiu e essa mentira gerou um conflito, terá de encontrar a forma de o corrigir. Esse processo irá contribuir, de forma positiva, para o seu amadurecimento emocional.

Eis algumas “dicas” que considero úteis:

  • Não esqueça que as crianças tendem a aprender através da imitação.
  • Na grande maioria das vezes, as crianças mentem por impulso, por recearem desiludir os adultos ou por recearem as consequências negativas de determinada ação menos boa que tenham cometido.
  • Perante uma mentira, mantenha a calma! Torne a mentira num momento de aprendizagem e, de forma serena e assertiva, converse com o seu filho ou filha.
  • Não dê à mentira uma dimensão exagerada, nem tenha uma reação emocional desmedida.
  • Punir e castigar a criança não deve ser a primeira opção, sob pena de amplificar os episódios de mentira.
  • É preferível assegurar ao seu filho ou filha que, por pior que tenha sido o seu comportamento, deve partilhá-lo consigo, para que o/a possa ajudar.
  • Seja honesto/a com o seu filho ou filha e lembre-se que as crianças estão muito atentas às incongruências dos adultos.
  • Se promete um momento de brincadeira a dois, ao final do dia, cumpra a promessa. Caso contrário, estará a mentir.
  • Se o seu filho ou filha recorre à mentira de forma sistemática e a utiliza como estratégia de comportamento, pode ser aconselhável procurar ajuda especializada.

A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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