A verdade da eterna beleza
O espanto pelo bom estado de conservação, a mais não se deve do que a uma carteira que permite à mulher ou ao homem cuidar de si, da forma que entender.
Sentada no sofá, a ver um dos programas populares com que a televisão portuguesa nos brinda aos domingos, Amélia, 50 anos, comenta: “Eu não sei como é que esta apresentadora pode ter a mesma idade que eu e ter este aspeto... Estou muito envelhecida.” Amélia não poupa nos elogios às estrelas que brilham do outro lado do ecrã, mas existe uma verdade na beleza que ela desconhece.
Fruto de uma sociedade que sempre ostracizou as mulheres, estas foram ensinadas a dizer tudo, menos o que realmente pensam e sentem e muito menos o que fazem.
Quantos namorados tiveste? Três, óbvio, descontando os 36 outros que não vou partilhar porque não quero ser apelidada de "galdéria". E a mentira é incentivada, quando se trata de investimento no prazer ou na autoestima, como se fosse condenável.
Sim, eu ponho botox e depois? O que é que tens a ver com isso? Era o que algumas figuras públicas deviam responder quando lhes perguntam o segredo da jovialidade, tantas vezes questionado, principalmente tratando-se de mulheres (não vejo essas perguntas colocadas com tanta insistência aos cinquentões do nosso ecrã). E elas, algumas visivelmente incomodadas, respondem que dançam, que procuram ser felizes, que tentam estar bem-dispostas e de bem com a vida. E isso é tudo verdade.
Serão poucos os que não repararão na luz que irradia o rosto, qual injeção milagrosa de ácido hialurónico, quando estamos verdadeiramente apaixonadas/os. Sabemos também que fatores como a genética, a atividade desportiva, uma alimentação saudável ou em bom português: o passar a fechar a boca, pode ajudar a manter-se com um aspeto mais jovem, mas tudo isso não torna o olhar rasgado e a sobrancelha arqueada, a face fina, sem as maçãs do rosto caídas, o contorno labial definido.
E, portanto, o espanto pelo bom estado de conservação, a mais não se deve do que a uma carteira que permite à mulher ou ao homem cuidar de si, da forma que entender. Com tanta campanha de harmonização facial não há feios nem feias. Continua a haver sim, gente com dinheiro e gente sem dinheiro. Estou a falar de tratamentos de medicina estética, circunstanciais, sem necessidade de recorrer à cirurgia, mas que exigem mais do que uma sessão, caso se pretenda que o efeito permaneça por mais tempo. Cada tratamento, normalmente oscila entre os 300 e 400 euros, cerca de metade de um salário mínimo nacional e assim podemos imediatamente concluir que, por enquanto, ainda não é algo a que todas as mulheres ou homens possam recorrer, infelizmente.
A desvalorização do aspeto físico, quando relacionada a questões de autoestima, íntimas e pessoais, não faz qualquer sentido, até porque muitas/os outorgando modéstia e apontando uma hipotética futilidade alheia, caem num mirone descontente, daqueles que tantas vezes vemos violentamente reagir nas redes sociais. Todavia, não há motivos para perguntas tolas como oiço fazer na televisão, “mas como é que tu consegues manter esse aspeto jovem?”, interrogações colocadas por gente do mesmo meio, que sabe muito bem como é que aquele homem ou aquela mulher está com a testa tão lisinha aos 40 ou 50 anos. Provavelmente até se cruzaram no dia anterior na mesma clínica.
Digno de reparo e de elogio da jovialidade só mesmo a minha tia Augusta, que aos 84 anos não tem quase rugas no rosto. Nunca foi de demonstrar grandes simpatias, uma mulher austera, e talvez a dureza onde cresceu e viveu lhe tenha congelado as rugas, mesmo após ter chorado a morte de uma filha, de forma precoce. Se lhe perguntarmos o segredo, ela diz logo que só lava a cara todas as manhãs com água gelada. Está feito. Uma resposta honesta para uma pergunta estúpida, sei eu. Não herdei esses genes e também não vai lá com água gelada eliminar as primeiras rugas dos 30, nem com nenhuma teoria de monge tibetana.
Amélia não está envelhecida para a idade. Ganha é apenas o salário mínimo nacional.