Num pequeno-almoço no espaço do Palácio do Grilo, em Lisboa, a L’Oréal Luxe reúne mais de duas dezenas de jornalistas para anunciar as novidades do ano e para declarar que a crise económica não passa pelo luxo. Afinal esta é a primeira divisão do grupo francês, é aquela que mais vende, que tem crescido durante 12 anos consecutivos e continua a crescer.
A L’Oréal Luxe não está sozinha, outras empresas de cosmética e perfumaria, como a japonesa Shiseido, a francesa Clarins ou a portuguesa Ignae, juntam-se a ela no mesmo discurso de imunidade à crise. Há muito que é assim — em 2001, Leonard Lauren, herdeiro da Estée Lauder, cunhou o termo “índex do bâton” para referir que até durante a Grande Depressão, nos EUA, há praticamente um século, a crise não se fez sentir no sector, pois as vendas dos bâtons subiram numa altura em que muitos não sobreviveram.
“Os sectores de luxo têm-se mostrado mais resilientes e em crescimento em cenários de crise económica e a cosmética não é excepção”, declara Patrícia Serrano, gestora da Shiseido Portugal, ao PÚBLICO. Miguel Pombo, da portuguesa Ignae, confirma que o caminho é de crescimento, porque os seus clientes não são afectados com subidas de taxas de juro ou o aumento da inflação.
Recentemente, a Shiseido com mais de 150 anos e presente em Portugal há 30, apresentou, também em Lisboa, as novidades do ano, que passam por uma nova fragrância, que chega num frasco cujo design foi patenteado, de tal maneira é minucioso e inovador; e pelo melhoramento das fórmulas dos seus produtos para a pele e que prometem regenerá-la.
E é essa aposta na melhoria e na criação de novos produtos que é uma das razões por que são caros, lembra Patrícia Lourenço, directora de comunicação e marketing da Clarins, em resposta por escrito ao PÚBLICO. “As marcas não descem o padrão de qualidade, mantendo um investimento considerável em investigação e desenvolvimento, para melhorarem os produtos, com novas tecnologias e ingredientes”, acrescenta.
No caso da Clarins, o crescimento tem sido feito de “forma consistente e sustentada” nos últimos 15 anos. “Cresceu em 2020 e mantém um crescimento de dois dígitos desde então”, informa Patrícia Lourenço, explicando que não esmoreceu por altura da pandemia, quando as pessoas estavam em casa.
Nenhuma das marcas que o PÚBLICO contactou revela números. A Dior não está autorizada a fazê-lo, a Shiseido justifica que, como o “mercado do luxo não é auditado, as marcas optam por não revelar” essas informações. Também a L’Oréal Luxe não avança dados do sector.
No grupo L’Oréal, durante anos, a divisão que mais vendia era a de cabelos – algo natural, uma vez que a origem da marca está na venda de produtos de coloração –, depois, a divisão de supermercado e em terceiro, a do luxo, mas, com o passar dos anos e a chegada ao mercado asiático, a divisão do luxo assumiu a primeira posição, contextualiza Nuno Seabra, general manager da L’Oréal Luxe, durante o pequeno-almoço, acrescentando que, no top 10 das marcas mais vendidas no mundo, quatro são da sua divisão: Lancôme, YSL, Armani e Kiehl’s. Destas, só a última não tem vendas significativas em Portugal, diz.
Também a açoriana Ignae, que está nos principais grandes armazéns norte-americanos, bem como nos spas de muitos hotéis de cinco estrelas, tem a expectativa de entrar no mercado chinês com os seus produtos feitos com matérias-primas oriundas das ilhas atlânticas. Quanto ao mercado português, a Shiseido refere que, além da retoma do turismo, a “instalação de algumas comunidades estrangeiras” justificam o seu crescimento.
O sucesso da cosmética e perfumaria junto dos consumidores não se prende apenas com a preocupação com a beleza, defendem as marcas. Estes procuram também o bem-estar.
A Clarins lembra que a pandemia veio potenciar essa preocupação. “O facto de termos mais tempo e disponibilidade para cuidar de nós, aliado à necessidade de contrariar a ansiedade do momento, obrigou-nos a aprender a tratar de nós”, contextualiza Patrícia Lourenço.
Patrícia Serrano, da Shiseido, acrescenta que as marcas trabalham com produtos que são utilizados como “forma de autocuidado, que se torna especialmente importante em alturas de incerteza e de preocupações”.
Comprar produtos que tratam da pele, do cabelo, perfumes ou maquilhagem não é visto como algo supérfluo, mas como cuidados e investimento. Os clientes preferem gastar mais num produto que tem maior durabilidade e eficácia, concordam os responsáveis das marcas.
“Hoje a beleza insere-se numa visão holística e de bem-estar”, escreve a directora da Clarins ao PÚBLICO. “A crise só afecta o consumidor que procura preço em detrimento de qualidade, serviço e conveniência”, conclui Patrícia Lourenço.