Daniela Melchior, a nossa enviada aos blockbusters

A actriz portuguesa tem 26 anos e dois megafilmes em simultâneo nos cinemas. Hollywood aconteceu-lhe. Velocidade Furiosa X estreia-se esta quinta-feira – e com Portugal como cenário crucial.

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Daniela Melchior Axelle/Bauer-Griffin/FilmMagic/Getty images
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“É como um culto, com carros.” É assim que alguém descreve, dentro de Velocidade Furiosa X, não só o grupo conduzido pelo Dominic Toretto de Vin Diesel mas, se quisermos, o próprio franchise em que esta quinta-feira a portuguesa Daniela Melchior se estreia. Será a sua oportunidade de ter dois filmes a digladiar-se pelo título de mais visto da semana, já que, nas duas últimas semanas, Guardiões da Galáxia: Volume 3 está em primeiro lugar nas bilheteiras. É também a sua entrada no terceiro “universo” daqueles que dominam o cinema de massas actual: uma portuguesa de Almada que é a nossa enviada ao reino dos blockbusters.

Por agora, estamos numa suíte de luxo com vista para a Lisboa que se espraia até ao Tejo e com dez minutos contadinhos para tentar apanhar o rasto do cometa que é esta jovem actriz de olhos azuis, vestido nude e muita simpatia. Aos 26 anos, passou da escola-ginásio das novelas portuguesas para a escala gargantuesca de filmes da Warner Brothers/DC Comics (Esquadrão Suicida, 2021), da Disney/Marvel (Guardiões da Galáxia), ambos realizados por James Gunn, e esta semana carrega no acelerador no décimo filme Velocidade Furiosa, da Universal.

Estes filmes, que começaram por ser uma aventura sobre street racers e são hoje uma fusão de gramáticas tão vetustas quanto a de Missão: Impossível ou os mais frescos vocábulos da série John Wick, trazem a vertigem no nome. Sente-se à beira de qualquer coisa? De um abismo?

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Velocidade Furiosa X e Guardiões da Galáxia: Volume 3: Melchior está em dois filmes campeões de bilheteira Peter Mountain/Universal Pictures

“À minha volta as pessoas têm muito essa sensação. ‘Ai Daniela, tens noção que isto é só o início. Daniela, tens noção que depois de o Fast sair, depois de os Guardians saírem, ninguém te…’ E eu não faço ideia”, respondia ao Ípsilon duas semanas antes de o filme se estrear, usando os títulos dos filmes em inglês. “Ainda bem que tenho essa inocência ou, de certa maneira, ignorância. E quero continuar assim, porque é bom termos ambição, mas, às vezes, quando é demais, pode impedir-nos de viver o momento.”

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O momento começou a pertencer-lhe quando, em 2021, depois de ter interpretado uma versão de um vilão Batman pouco originalmente baptizada como Ratcatcher 2 em Esquadrão Suicida, deu pelo seu nome no topo da lista dos actores mais populares da mais consultada base de dados de cinema, o IMDB. Era um sinal de que o seu pequeno papel tinha chamado a atenção do público, que começou a pesquisar o seu currículo, a falar sobre ela nas redes sociais. Começou a montanha-russa de passadeiras vermelhas, estreias pelo mundo, de partilhar espaços com megaestrelas da megafábrica da sociedade-espectáculo chamada Hollywood.

No último mês, está a acontecer outra vez. Começou a trabalhar nem há dez anos e foi a protagonista Deolinda no filme Parque Mayer (2018), de António-Pedro Vasconcelos, ou na série Pecado (2021), da TVI. Fez 927 episódios de novelas. E de repente era a Caça-ratos 2, depois era Ura em Guardiões e agora é Isabel em Velocidade Furiosa X, ao lado de dois pneumáticos galãs, Vin Diesel e Jason Momoa. Pelo meio, filmou com Neil Jordan o filme Marlowe: O Caso da Loira Misteriosa e tem em pós-produção Road House, um remake de Profissão: Duro (1989), de Patrick Swayze, dividindo o protagonismo com Jake Gyllenhaal.

Estar em blockbusters numa altura de uma carreira como esta é ou um caminho que se escolhe ou uma coisa que acontece. “Para mim, aconteceu.” A história é sobejamente conhecida para quem acompanha os últimos anos de Daniela Melchior. O trailer de Parque Mayer chamou a atenção de um agente em Los Angeles que estava a receber muitos pedidos para actrizes da sua idade, com o seu tipo de imagem e “internacionais” – ou seja, não necessariamente norte-americanas ou anglófonas.

O mercado é cada vez mais planetário e nos dois sentidos – não se consome só o que a América dá, a América também leva. E o resto do mundo precisa. Dos castings à distância até Esquadrão Suicida foi um tirinho e seguia assim um caminho que Joaquim de Almeida, que também está em Velocidade Furiosa, Daniela Ruah ou outros nomes trilharam. A internacionalização dos actores e talentos portugueses já não é uma novidade, é um work in franco progress.

Mas quando se fecha uma auto-estrada entre Viseu e Vila Real ou a zona em torno de Cacilhas para rodar parte de um blockbuster em Portugal, e quando esse é o terceiro filme blockbuster numa curta carreira de uma portuguesa, as cabeças viram-se para saber quem é Daniela Melchior e para onde ela vai.

“Aconteceu mesmo, uma coisa foi levando à outra. Eu e o meu agente temos brincado muito com isso, porque a maior parte dos actores hoje em dia vai fazendo filmes de escala normal, média ou pequena, e está constantemente à procura de uma oportunidade num filme desta escala. E eu sou a actriz do portefólio do meu agente que vai fazendo estes filmes grandes, mas está sempre a dizer: ‘Olha, mas não vês aí um filme indie interessante que eu possa fazer?’ E ele responde: ‘Daniela, tu és a única actriz que eu tenho que faz os grandes e que pede para saltar para os pequeninos.

É para aí que ela quer ir, “não para sempre”, mas para diversificar para lá dos contratos que tem com alguns destes estúdios e que prometem mais filmes de grandes dimensões. “Não quero fazer nunca personagens muito iguais – tenho tido essa sorte, as personagens são todas diferentes”, diz sobre os seus papéis nestes filmes de maior visibilidade, que são pequenas intervenções em grandes filmes mas que a puseram num certo mapa.

Numa manhã de entrevistas de rajada – actualmente, quanto maiores são os projectos, mais parece diminuir proporcionalmente a duração do tempo para os jornalistas – mantém a frescura e a simplicidade. “Não tenho noção do que é que vem aí. Já tive algumas amostras da dimensão da fama do Vin, por exemplo. Eu não tinha noção de que, se ele for à praia, ele tem de fechar a praia. Se ele for a uma loja, ele tem de fechar a loja. Isso para mim era uma coisa que só me fazia sentido mais num Cristiano Ronaldo ou num Papa”, ri-se.

“Uma coisa é fazermos filmes internacionais, outra coisa é fazermos parte de uma saga que é mundial.” Não sabe se conseguirá ir de férias à Tailândia sem ser reconhecida, exemplifica. “Não sei o que pensar sobre isso e o que sentir.” Estudou Artes do Espectáculo, tentou ser modelo, fez publicidade, teve aulas de canto. Em 2014 começava como actriz de TV. Hoje faz meditação, prefere o cinema à novela, faz parte de uma nova tribo.

Vin Diesel vem constantemente à conversa. É o dono emocional do franchise que insiste em hipnotizar os espectadores com uma ideia de “família” em que os valores têm uma só bússola: Diesel, o homem que nasceu Mark Sinclair e cuja escolha de nome artístico, nos idos dos anos 1980, parecia prever que seria o rosto de um franchise turbinado. Está com Melchior em Velocidade Furiosa X mas também é Groot em Guardiões da Galáxia.

“Nunca tinha trabalhado com um protagonista que junta, aproxima e abraça de uma maneira tão especial todas as [outras] personagens. Desde o primeiro dia, e não sei se ele fez isso com toda a gente, mas acredito que sim, teve uma conversa comigo sobre a saga e de uma maneira tão apaixonante que, de facto, eu senti logo: ‘OK. A partir do momento em que eu começo a minha experiência no Fast and Furious, eu vou defender isto com unhas e dentes”, recorda Melchior.

É uma constante ouvir os actores portugueses falar do que a economia de tempo e dinheiro das novelas lhes permite aprender. Depois procura-se o teatro ou o cinema para mergulhos a diferentes profundidades. A certa altura de Velocidade Furiosa X, a sua personagem, Isabel, diz: “Não procuro a aprovação de ninguém.”

Nestes filmes de acção, explosões e muito físico, o que se aprende? “A paixão com que eles trabalham e a maneira como defendem os projectos que fazem, quer sejam grandes ou pequenos. E senti uma energia… Como hei-de explicar?” A actriz procura rapidamente as palavras, fala em “respeito, mas não é por medo”. Regressa a uma espécie de amplexo familiar.

“Transmitem muito a energia de uma certa masculinidade… positiva?” Por oposição à masculinidade tóxica? “Sim”, agradece.

Velocidade Furiosa X é um filme de 2h20 com cenas após os créditos, e com a A24 em grandes cenas com duplos em explosão permanente e com todo o leque de nomes que se pode imaginar: Helen Mirren, Charlize Theron, Rita Moreno, Brie Larson ou Cardi B, algumas surpresas e a equipa do costume. No filme, Portugal é mais do que fogo-de-vista, mas Daniela Melchior, por razões que só o enredo explica, não pôde servir de anfitriã à equipa da sua “família” no seu próprio país.

As suas cenas, sobre as quais não se revelará mais, são típicas destes filmes. Garante que aprendeu muito. No meio de tantos motores ronronantes, cromados e cenários em vários pontos do planeta, Daniela Melchior explica que faz sempre o estudo psicológico da personagem, mesmo quando “muitas vezes estes guiões são muito baseados na parte visual e na acção”. Quando se trabalha a esta escala, em termos de orçamento e com máquinas bem oleadas, “não há desafio que não seja possível superar", explica. "Não há limites, não há dificuldades –​ ou, se houver, são ultrapassadas muito rápido." Entre carros a capotar de Roma ao Rio de Janeiro, é o luxo de poder só focar-se na representação.

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