Sofro da síndrome do impostor quando penso em mim enquanto mãe

Ser uma mãe perfeita exige coisas extraordinárias como ler quantas calorias tem um pacote de batatas fritas; conversar numa voz serena em lugar de gritar; seguir o método A ou B para qualidade do sono

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@designer.sandraf
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Querida Mãe,

Preciso dos conselhos de uma mãe e mulher experiente. Acabei de perceber que sofro da síndrome do impostor quando penso em mim mesma enquanto mãe, ou mesmo enquanto adulta. Fico constantemente com a sensação de que alguém vai perceber que não tenho maturidade para ter carta de condução, quanto mais a guarda de quatro filhos!

O pior desta síndrome é impedir-nos de fazer perguntas ou de partilhar inseguranças, porque temos medo que revelem a nossa secreta incompetência. Durante anos, senti vergonha de perguntar aos outros pais como é que preparavam as lancheiras, pedir a um amigo como se trata do seguro do carro ou se preenche a declaração do IRS, e houve até um tempo em que julguei que era, literalmente, a única pessoa no mundo que não sabia tirar nódoas da roupa.

Como é que é possível termos esquecido tudo o que aprendemos durante a adolescência, ou seja, que há sempre mais gente com as mesmas dúvidas do que nós? Neste capítulo, mãe, confesso que invejo a geração dos meus filhos, porque têm tanta informação na Internet, tantas formas de ver como é que os outros fazem, sem terem sequer de perguntar — as gémeas conseguem descobrir coisas extraordinárias, da pintura à cozinha, no YouTube, por exemplo. Aprendem com a maior naturalidade, sem dramas, sem terem de ouvir uma daquelas respostas irritantes, do estilo “mas a sério?! A sério que não sabes?!”, com que tantas vezes fomos humilhadas.

Mãe, dê-me boas notícias, a síndrome do impostor desaparece com o tempo? A mãe, enquanto avó, já se livrou dela?


Querida Ana,

Como te percebo, mas lamento informar-te que não passa: ainda hoje tenho a impressão de que vocês teriam ficado mais bem servidos com uma mãe mais assim ou mais assado. Desconfio, no entanto, que a intensidade do fenómeno só se pode ter agravado, agora que tantas mães parecem concorrer entre si nas redes sociais, e a bitola de como ser boa mãe subiu consideravelmente.

Ser uma mãe perfeita no século XXI exige coisas tão extraordinárias como andar a ler quantas calorias tem um pacote de batatas fritas; conversar numa voz serena em lugar de gritar quando eles deixam as toalhas espalhadas pelo chão; seguir o método A ou B para garantir a qualidade do sono, garantir que não são contaminados por bactérias que escaparam ao álcool-gel, e por aí adiante. E pode acabar tudo na CMTV ou numa gritaria de comentários agressivos numa página de Facebook. Decididamente, não admira que vos assuste, ainda mais do que a nós, revelar as vossas inseguranças...

Provocações à parte, os avós também se sentem muitas vezes impostores, sim senhora.

Depois de 12 anos como avó, ainda não consigo sacudir a sensação de que o meu perfil não corresponde ao que vem nos livros. Que não estou suficientemente preparada para te ajudar, para ajudar os meus filhos e noras, que já devia ter aprendido a estar calada, a ter a maturidade suficiente para não me meter nas vossas vidas, oferecendo conselhos que sei, por experiência própria enquanto mãe, que só enervam, que devia passar mais tempo com os meus netos, porque, se não, perde-se a intimidade e mais mil e uma falhas.

Além do mais, quando me vejo ao espelho, confirmo a suposição, porque:

  1. Uso jardineiras e sapatos de ténis, numa dificuldade crescente de aceitar mudar para uma farda mais condizente com os meus 63 anos.
  2. Não cozinho. E por muitas voltas que o mundo dê, os avós deveriam cozinhar.
  3. Como sempre algodão-doce (só de açúcar branco) na Feira do Livro, apesar de ter plena consciência de que alguém que vai assinar os livros dos outros não deve ter os dedos peganhentos.
  4. Odeio fruta que seja preciso descascar. E legumes.

Mas queres que fale a sério? Talvez seja essa tensão entre sermos adultos e ainda crianças, entre o desejo de corresponder a um ideal que metemos na cabeça e o impulso de sermos mais nós mesmas, que nos leve a reinventarmo-nos todos os dias. A não sermos mães e avós chatas. Ou, melhor, um bocadinho menos chatas.

Beijinhos


O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam.

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