A invisibilidade do acolhimento familiar

crianças que crescem em ambientes familiares estruturados e seguros tendem a desenvolver uma autoestima mais positiva e competências pessoais e sociais mais equilibradas.

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Nelson Garrido/Arquivo
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Sabemos que é no seio de uma família que nascem os seres humanos, e que esta desempenha um papel fundamental na formação da nossa identidade e personalidade até à idade adulta.

Sabemos que é a família que ampara, cura o arranhão do joelho, ensina a andar de bicicleta, a soletrar o bê-à-bá das primeiras letras da escola e ajuda a lidar com a angústia das borbulhas de acne, na adolescência.

Sabemos, de acordo com a investigação científica, que a qualidade das relações familiares condiciona o desenvolvimento cognitivo, emocional e social das crianças, com especial relevo nos primeiros anos de vida. E que, crianças que crescem em ambientes familiares estruturados e seguros tendem a desenvolver uma autoestima mais positiva e competências pessoais e sociais mais equilibradas.

Sabemos, também, que a legislação portuguesa considera o acolhimento familiar como uma medida de aplicação privilegiada face ao acolhimento residencial, especialmente para crianças até aos 6 anos de idade, quando estas não podem viver com a sua família biológica.

Sabemos tudo isto, porém continuamos a assistir à colocação de bebés e de crianças pequenas em instituições, pese embora estejam amplamente descritos as desvantagens e os danos no desenvolvimento psicoemocional das crianças que permanecem em cuidados coletivos.

Sabemos tudo isto, mas, em Portugal continua uma cortina, qual manto do Harry Potter, mantendo a invisibilidade do acolhimento familiar, enquanto as crianças institucionalizadas tentam travar o relógio da infância que teima em não esperar pela reorganização dos adultos. Não, a infância não espera.

A invisibilidade do acolhimento familiar persiste, apesar de todas as evidências científicas indicarem os benefícios incontestáveis desta medida protetiva no bem-estar das crianças.

A invisibilidade do acolhimento familiar permanece, mesmo que o enquadramento legal aponte claramente o caminho e as políticas sociais pareçam alinhadas com os fundamentos internacionais da proteção à infância, que privilegiam o acolhimento familiar.

A invisibilidade do acolhimento familiar perdura, face à inexistência de campanhas de divulgação e de iniciativas promotoras da disseminação do acolhimento familiar, o que resulta num continuo e incipiente número de crianças em famílias. Atualmente, não chegam a duas centenas.

A invisibilidade do acolhimento familiar impõe, por tudo isto, um efetivo investimento num plano de transição que defina princípios, objetivos e diretrizes potenciadores do acolhimento familiar a nível nacional, com o envolvimento das várias áreas do conhecimento e intervenção.

A invisibilidade do acolhimento familiar exige um comprometimento na capacitação e reconhecimento das famílias acolhedoras que de modo solidário estão dispostas a abraçar uma criança, num claro contributo para a sua trajetória desenvolvimental.

A invisibilidade do acolhimento familiar reclama pelo empenho da comunidade em prol da defesa do direito de uma criança crescer numa família, para que possamos devolver-lhes a infância e cuidá-las num ambiente de compreensão, amor e felicidade. Precisamos de mais famílias de acolhimento.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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