Fentanil já é a principal causa de morte entre menores de 50 anos nos EUA

O consumo de fentanil, conhecido como “heroína sintética”, é a principal causa de morte nas pessoas com menos de 50 anos nos EUA. Consumo acidental ou procura via TikTok preocupa as autoridades.

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Em 2021, mais de 70 mil pessoas foram vítimas do fentanil nos EUA Miguel Manso
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Os Estados Unidos da América (EUA) assinalam nesta terça-feira o Dia Nacional de Consciencialização sobre o Fentanil, uma droga sintética altamente viciante, a principal causa de morte entre menores de 50 anos.

Os efeitos do opiáceo, 50 vezes mais forte do que a heroína, são visíveis nas ruas de Los Angeles e São Francisco, duas das cidades mais ricas do país, onde alguns bairros estão transformados em zonas de consumo a céu aberto.

“A maioria do negócio da heroína é agora de fentanil”, disse à Lusa Dean Shold, co-fundador da organização sem fins lucrativos FentCheck. “Tornou-se mais económico para os cartéis, porque conseguem produzir fentanil mais facilmente do que as papoilas para a heroína.”

A FentCheck opera sobretudo em São Francisco e Oakland, no Norte da Califórnia, para prevenir overdoses acidentais. A organização distribui testes gratuitos para despistar a contaminação de drogas recreativas com o poderoso opiáceo, disponibilizando-os em bares, restaurantes e até livrarias e bibliotecas.

“O fentanil é muito potente. Dois miligramas podem matar uma pessoa”, sublinhou Dean Shold. A FentCheck criou o programa à imagem do que foi feito nos anos 1980 durante a epidemia de VIH, em que se multiplicaram os recipientes com preservativos em bares e restaurantes. Desta vez, os recipientes contêm testes gratuitos, que dão resultados em dois minutos.

“Isto é focado nas pessoas que podem usar cocaína ou MDMA numa festa, que experimentam drogas a que não estão habituadas, de fornecedores a quem normalmente não compram”, explicou. “São os utilizadores mais vulneráveis porque não têm tolerância aos opiáceos.”

Estas sobredosagens acidentais acontecem quando os consumidores usam drogas que foram contaminadas com fentanil, agora conhecido como a “heroína sintética”, que entra nos EUA sobretudo a partir da fronteira com o México.

O alvo prioritário é a faixa etária entre os 30 e os 34 anos, onde se têm registado mais overdoses, mas Dean Shold explica que o risco cresce entre adolescentes, que usam a rede social TikTok para encontrarem traficantes de várias substâncias ilícitas.

“Estamos a ver adolescentes a receber comprimidos encomendados no TikTok. Isso é algo muito assustador”, disse Dean Shold. Os testes oferecidos pela FentCheck servem para testar se estas e outras substâncias ilícitas estão contaminadas, sem um elemento recriminatório. “Não queremos julgar, mas não acreditamos que a única resposta seja a abstinência”, afirmou o responsável.

Dean Shold indicou que evidência disso mesmo é o falhanço das últimas décadas, em que todas as estratégias para mitigar o consumo de drogas fracassaram. “Perdemos a guerra contra as drogas”, sublinhou.

Segundo a Drug Enforcement Administration (DEA), o fentanil é agora a causa número um de morte entre americanos com menos de 50 anos. Em 2021, 106 mil pessoas morreram de sobredosagem e, destas, mais de 70 mil foram vítimas do fentanil.

Com milhares de viciados, overdoses acidentais e cada vez mais adolescentes em risco, o combate a esta crise passou para a linha da frente das prioridades em vários estados. Em Março, o governador da Califórnia, Gavin Newsom, anunciou um “plano estratégico” com mais de 96 milhões de dólares alocados ao problema.

“A nossa abordagem alargada vai expandir os esforços de fiscalização para repelir as organizações criminais transnacionais que traficam este veneno nas nossas comunidades”, garantiu.

A FentCheck é precisamente uma das várias organizações não governamentais e sem fins lucrativos que trabalham na contenção de danos no terreno. Só em 2022, distribuiu 50 mil testes e tem feito um trabalho de aproximação aos consumidores e aos funcionários dos estabelecimentos, que está a treinar no uso de Narcan, um antídoto que reverte a overdose.

“Estamos sempre a reabastecer os recipientes com testes e isso dá-nos oportunidade de falar com os empregados de bar, com os clientes e por vezes encaminhá-los para programas de tratamento de medicação assistida (MAT — medication-assisted treatment)”, explicou Dean Shold.

A organização vai começar a distribuir testes em Nova Iorque e pretende expandir a cobertura em Los Angeles, onde agora está limitada a West Hollywood. Los Angeles tem assistido a um agudizar da situação, com as mortes por fentanil no condado a aumentarem 14 vezes nos últimos cinco anos.

Na Universidade do Sul da Califórnia (USC), a organização sem fins lucrativos TACO (Team Awareness Combatting Operation) está a ensinar os estudantes a usarem o antídoto Narcan, a testarem as drogas e a perceberem os potenciais efeitos.

A consciencialização dos riscos tornou-se mais urgente quando, em Setembro passado, uma adolescente de 15 anos foi encontrada morta na escola secundária Bernstein, em Hollywood, depois de consumir percocet (uma combinação de oxycodone e paracetamol) contaminado com fentanil.

Mesmo quando o desfecho não é trágico, a pessoa pode ficar acidentalmente viciada, explicou Dean Shold. O responsável está optimista quanto ao progresso de algumas medidas, como a disseminação dos testes e a despenalização de algumas drogas, mas tem noção da gravidade da situação. “Metemo-nos num beco de onde é difícil sair.”