Na semana passada, o PÚBLICO organizou mais um debate sobre inteligência artificial. O tema foi "A tecnologia e os desafios da comunicação e do marketing", e dirigia-se a uma plateia de estudantes universitários. Escrevo aqui "mais um debate" no melhor sentido possível.
Não há uma contagem do número de mesas redondas, palestras, colóquios e artigos de opinião sobre inteligência artificial que têm ocupado um quinhão do espaço público global nos anos recentes. Mas são imensos.
A discussão está acesa de uma forma que não vimos com outros fenómenos das tecnologias da informação ao longo deste século. E motivos não faltaram: a Internet massificou-se entre o final dos anos 1990 e os anos 2000; os smartphones trouxeram uma nova revolução após a estreia do iPhone, em 2007; poucos anos depois, as redes sociais moldaram um novo mundo de informação e desinformação, com consequências hoje conhecidas: das perturbações de processos democráticos ao aumento das repressões ditatoriais, passando por formas novas de presença individual no espaço social.
Em todos aqueles momentos, a reflexão aconteceu, sobretudo, a posteriori. A grande conversa pública sobre os efeitos de desinformação das redes sociais só ganhou verdadeiro fôlego com as eleições americanas que elegeram Donald Trump, em 2016. Nessa altura, o Facebook já era uma empresa gigante, cotada em bolsa e que se aproximava dos dois mil milhões de utilizadores, num planeta que tinha cerca de 7,5 mil milhões de pessoas.
Por contraste, o ChatGPT é uma plataforma ainda na infância, lançada em Novembro para demonstrar o potencial da tecnologia e recolher opiniões. Nem o ChatGPT, nem outras aplicações com base nos grandes modelos de linguagem (ou, de forma mais geral, na inteligência artificial generativa) são um problema urgente para as instituições de ensino, para a esmagadora maioria das empresas ou para os Estados – ou para estudantes de comunicação e marketing sentados num auditório universitário (não da mesma forma que as redes sociais são um problema urgente de saúde mental, por exemplo). Ainda assim, tudo isto já está em discussão.
Nada do que foi aqui descrito é binário: houve discussão no espaço público (imprensa incluída) ao longo de cada uma daquelas três fases na história das tecnologias de informação. Mas não na mesma escala, nem com a mesma abrangência, que temos agora face à inteligência artificial. Há algumas possíveis explicações para isso.
Por um lado, está a cessar o tecno-optimismo que reinou durante boa parte destas últimas décadas.
O acordar tardio para os problemas das redes sociais talvez se justifique porque estávamos inebriados com as transformações trazidas pelos smartphones e pela conectividade constante, e, antes disso, pela explosão da Web. Novos usos de tecnologia eram sinónimo de progresso e melhorias, nas grandes e nas minúsculas coisas: na capacidade de nos deslocarmos, de criarmos novos negócios, de participarmos civicamente ou de medirmos a inclinação de um quadro na parede.
Na ressaca do desaire das redes sociais (que está agora bem presente, mas com o qual continuamos a ter dificuldades em lidar); depois da queda estrondosa de vários projectos de criptomoedas (tecnologia que continua a servir para pouco mais do que nada); e com várias personalidades do mundo da tecnologia a passarem de heróis a vilões (Elon Musk e Elizabeth Holmes, só para dar dois exemplos), quebrou-se a fé. Estamos escaldados e, como o proverbial gato, com medo. O medo é útil.
Por outro lado, a inteligência artificial exerce fascínio: claro, é preciso debater as implicações na privacidade associadas ao uso de quantidades massivas de dados, bem como os vieses dos algoritmos ou os efeitos no mercado do trabalho. Há inúmeros temas complexos e vários, convenhamos, tão importantes como aborrecidos.
Porém, quando tudo isto falha em captar o interesse de cidadãos e imprensa, há sempre a máquina que se tornou melhor do que um humano num jogo qualquer, os ecos de ficção científica ou a improvável ameaça existencial. No vasto mundo da inteligência artificial, é difícil não encontrar um recanto que não desperte pelo menos uma ponta de curiosidade num cérebro minimamente atento ao que o rodeia.
Não sei se estamos preparados para o que aí vem. Mas estamos a ter conversas sobre o assunto. É um bom ponto de partida.