Adultos, crianças e famílias: a saúde mental é um fenómeno intergeracional

O bem-estar dos pais, desde a sua infância, irá influenciar a saúde dos seus futuros filhos.

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"É necessário oferecer apoio aos pais que sofreram experiências adversas no passado" Paulo Pimenta

Portugal está entre os países da Europa com maior prevalência de perturbações de ansiedade e depressão e estas patologias representam duas das principais causas de incapacidade por doença no nosso país. Além do impacto no próprio doente, as perturbações psiquiátricas nos adultos têm repercussão nas gerações seguintes. Assim, as crianças cujos pais têm problemas de saúde mental apresentam, elas próprias, um risco mais elevado de virem a desenvolver um problema de saúde mental.

Estima-se que, nos países europeus, uma em cada três crianças/jovens com menos de 18 anos tenha um dos progenitores com problemas de saúde mental, o que em Portugal representa pelo menos 600 mil crianças e adolescentes. A recente pandemia de covid-19 e os sucessivos períodos de confinamento vieram agravar a dimensão deste problema, o que é apontado como uma das razões do recente aumento significativo de pedidos de consulta de psiquiatria e pedopsiquiatria em Portugal.

Independentemente das inúmeras causas que podem explicar esta continuidade das perturbações psiquiátricas através das gerações, está bem estabelecido que a saúde mental dos pais tem uma influência determinante no bem-estar dos filhos, uma vez que condiciona o seu desenvolvimento pessoal, social e emocional.

A saúde mental dos pais foi condicionada por experiências adversas ou emocionalmente perturbadoras sofridas há décadas, quando eles próprios eram crianças. Por exemplo, o stress intenso vivido durante a infância em contexto de carência económica, violência doméstica, maus-tratos, negligência, abandono, migração forçada ou guerra pode gerar experiências adversas que irão ter impacto na saúde ao longo da vida. Isto acontece porque as experiências adversas e o stress patológico produzem consequências biológicas, psicológicas e sociais a longo prazo. Na idade adulta isso vai traduzir-se numa maior prevalência de doenças como hipertensão, diabetes, obesidade e cancro. Vai ainda alterar a reactividade emocional do indivíduo ao ambiente em seu redor e a forma como se relaciona com os outros, incluindo com os próprios filhos.

Em resumo, as crianças que vivem em famílias com problemas de saúde mental ou que são expostas a situações de elevado stress estão mais sujeitas a manifestar ansiedade, culpabilidade, baixa auto-estima, instabilidade emocional e isolamento social. Um ambiente familiar desfavorável tem também impacto no seu trajecto escolar e de aprendizagem. Anos mais tarde, estas crianças serão adultos com maior probabilidade de apresentarem problemas de saúde mental, o que perpetua este ciclo vicioso intergeracional.

O que pode então ser feito?

Da mesma forma que a doença mental tem um impacto negativo nas gerações futuras, as experiências positivas durante os primeiros anos de vida também podem ter um impacto multigeracional. As crianças apresentam comportamentos mais positivos e melhor regulação emocional quando os seus pais relatam um passado de bem-estar emocional quando eram crianças ou adolescentes.

Existe, portanto, uma janela de oportunidade para alterar o curso natural dos problemas de saúde mental nas famílias. Neste sentido, é necessário oferecer apoio aos pais que sofreram experiências adversas no passado e em simultâneo prevenir fenómenos traumáticos e elevado stress emocional nas crianças e jovens.

Em alguns países, como a Finlândia, Nova Zelândia ou Canadá, foram desenvolvidas intervenções que demonstraram eficácia robusta na prevenção de problemas de saúde mental e na redução dos custos associados à doença mental em crianças, adultos e famílias. Nesses programas estão incluídas intervenções de diversos tipos incluindo, por exemplo, o treino de profissionais nas escolas e nos serviços de saúde para reconhecer precocemente as crianças e pais mais vulneráveis. São também disponibilizadas ajudas integradas que identificam as necessidades específicas em cada família não só relativamente à saúde (por exemplo, consultas especializadas) mas também a outros factores que influenciam a saúde mental (por exemplo: condições de habitabilidade precárias, carência económica e dificuldades de integração social).

Nunca houve tanta evidência de que proteger e promover a saúde mental das crianças tem um impacto decisivo na saúde de toda a população a longo prazo. O bem-estar dos pais, desde a sua infância, irá influenciar a saúde dos seus futuros filhos. Promover hoje a saúde mental das crianças e jovens é beneficiar as futuras gerações.


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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