Investigadores procuram soluções para um equilíbrio entre bem-estar e mundo digital

O consumo digital dos adolescentes vai a debate na primeira edição da Semana do Bem-Estar Digital, que decorre até sábado em Lisboa. No final, serão apresentadas propostas para políticas públicas.

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A primeira edição da Semana do Bem-Estar Digital decorre até sábado em Lisboa Reuters/DADO RUVIC
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Os meios digitais são inevitáveis, em casa ou no trabalho e mesmo durante os tempos livres. Por isso, a questão que se põe é como usá-los de maneira saudável. A primeira edição da Semana do Bem-Estar Digital começou neste domingo, em Lisboa, e prolonga-se durante uma semana para reflectir sobre o tema e, no final, propor recomendações e orientações no domínio das politicas públicas, para isso, vai reunir especialistas nacionais e internacionais, numa acção promovida pelo projecto Agarrados à Net.

De acordo com o último relatório do Health Behaviour in School Aged Children, um em cada dois adolescentes recorre à Internet para esquecer sentimentos negativos. Em simultâneo, um em cada três já tentou passar menos tempo nas redes sociais, mas sem sucesso.

Para Michael Rich, professor associado de pediatria na Harvard Medical School e do Hospital Pediátrico de Boston, os números não trazem novidades, mas sublinham uma das consequências do confinamento. Quando fechados em casa, longe dos pares e limitados ao contacto com os familiares, os adolescentes recorreram ao mundo online para manter o contacto e sentirem-se bem.

“Quando os jovens precisam de se sentir melhor, vão para o mundo online. Quando não estão nesse meio, sentem-se mal. Concluímos que o vício é o uso prazeroso, mas não necessário, como o álcool ou a nicotina, e não conseguimos parar porque precisamos dos dispositivos para trabalhar, estudar, comunicar e nos relacionarmos”, contextualiza em conversa com o PÚBLICO.

Por isso, apesar de as crianças e jovens terem retomado o ensino presencial, o tempo de ecrã continua a aumentar, assim como as horas de sono perdidas e a escassez de interacção presencial, acrescenta.

Cuidado com a publicidade

De acordo com Susana Batista, investigadora no Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa, que vai apresentar estudos do programa da União Europeia Kids Online e da ySKILLS sobre as actividades digitais dos adolescentes portugueses, existem dois perfis de bem-estar entre os jovens: aqueles que sentem o “apoio familiar e dos pares, e complementam a sensação pelo reforçar dos laços via online”; e os jovens “vulneráveis, que relatam estarem mais isolados, procurando na Internet um refúgio para superar esse sentimento”.

Este segundo grupo, continua a doutorada em Sociologia, difere pela maior procura de conteúdo relacionado com a saúde mental e física. Ou seja, a informação consumida por estes grupos, mais jovens, que procuram “experiências de envolvimento e intensidade emocional”, deve despertar a preocupação e o contínuo debate sobre as competências digitais, continua.

“Os jovens portugueses são muito confiantes quanto às competências digitais que possuem. Mas estas capacidades vão além das questões técnicas, estão relacionadas com a capacidade crítica da informação consumida e o conhecimento dos modelos de negócios das redes sociais. Estes são factores importantes para ser um jovem cidadão no mundo digital.”

Para melhor definir o bem-estar no meio online, Susana Batista adicionou ao raciocínio de Michael Rich, sobre os malefícios do tempo excessivo de ecrã, a importância de investigar “questões estruturais e de contexto, como as dinâmicas comerciais associadas às redes sociais”.

Ainda que admita o ciclo vicioso associado ao prazer de usar as plataformas digitais, a investigadora argumenta que tal acontece também pela implementação de “recursos persuasivos” na publicidade, que aliciam “ao uso continuado das redes sociais”. Por isso, sublinha, “o desconhecimento das dinâmicas comerciais” obriga a que o bem-estar dos jovens no digital não seja analisado “somente pela autonomia individual”.

A era da Inteligência Artificial

Numa era descrita por Michael Rich como de “information banging”, de informação produzida apressadamente, o professor considera que a sociedade deve encarar o mundo digital enquanto “meio influenciador da saúde humana, tal como qualidade do ar ou da água”.

De acordo, Susana Batista acrescenta que o conhecimento das plataformas digitais é o primeiro passo para implementar a literacia digital e, assim, “intervir, ensinar e regular o uso das redes sociais”.

Para a investigadora, novas ferramentas digitais, como a Inteligência Artificial (IA), adicionam desafios aos sistemas democráticos, como o contínuo desenvolvimento de mecanismos para verificar e seleccionar conteúdos. “Se não sabemos como são produzidas as informações, então não saberemos avaliar a veracidade do que consumimos, o que pode resultar numa crise de desinformação”, explica.

Ainda que considere a IA um domínio do quotidiano, preponderante sobretudo para o ensino e áreas como a medicina, Michael Rich ressalva que o digital não será capaz de substituir os humanos, cujas emoções e sensações não são replicáveis pelas máquinas. “Podemos pedir que a IA faça muito, mas não será capaz de mostrar empatia”, acredita o docente.

Assim, argumenta, o mundo “de conectividade online quase infinita” não deve superar a natureza humana e as ligações emocionais presenciais. As relações entre as pessoas partem dos constrangimentos e das imperfeições inerentes à vida, conclui Michael Rich.

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