Provas de aferição em suporte digital no 2.º ano: sou contra

Seria bem mais relevante dar prioridade à recuperação das aprendizagens comprometidas durante a pandemia do que despender uma quantidade expressiva de horas letivas em treinos para as provas.

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A realização das provas de aferição em suporte digital agrava as desigualdades sociais pois colocam em vantagem os alunos cujos pais têm maior capacidade para os apoiar Kelly Sikkema/Unsplash
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Se já não era grande adepta das provas de aferição no 2.º ano de escolaridade quando realizadas em papel, ainda menos sou favorável à sua realização em suporte digital. E nem sequer consigo perceber quais as vantagens desta nova modalidade. No entanto, para que a minha posição fique clara e não corra o risco de ser mal interpretada, vou começar por esclarecer algumas questões.

Em primeiro lugar, não sou contrária à realização de provas de aferição, quando aplicadas em anos de escolaridade subsequentes, quando os alunos já são mais crescidos. Aquilo com que não concordo é com a precocidade de provas destinadas a crianças ainda muito pequenas, que facilmente ficam nervosas e têm dificuldade em gerir a ansiedade antes e durante a sua aplicação.

Bem sei que o argumento para a realização destas provas a meio do 1.º ciclo é o de aferir o nível de aprendizagens, para que haja tempo para investir na sua melhoria nos dois anos que antecedem a transição para o 2.º ciclo. Mas, da minha experiência, esse eventual benefício não compensa o stress que causam às crianças, nem o tempo destinado à sua preparação, que ocupa grande parte do 3.º período letivo.

É que a necessária preparação para que os alunos se familiarizem com o modelo dos enunciados, de modo a que se sintam mais seguros durante a realização das provas, ocupa bastante tempo que poderia ser mais bem empregue noutras atividades escolares. Nesta linha, seria bem mais relevante dar prioridade à recuperação das aprendizagens comprometidas durante a pandemia do que despender uma quantidade expressiva de horas letivas em treinos para as provas.

Em segundo lugar, importa clarificar que não sou contra a introdução das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) na escola. Pelo contrário, nos dias que correm, não vale a pena diabolizarmos as TIC e deixarmos as crianças impreparadas para lidarem com a realidade que as espera. Aliás, até penso que a sua utilização é incontornável, e que é preferível capacitarmos as crianças para as utilizarem de forma criteriosa e responsável do que deixá-las sozinhas perante os desafios digitais.

E mais: julgo que as crianças devem começar a contactar com as TIC desde o início do 1.º ciclo. Mas, na minha opinião, o tempo de exposição ao ecrã deve aumentar gradualmente ao longo do tempo, devendo ser bastante circunscrito no início da escolaridade. Nesta idade tão precoce, ainda não há vantagem numa utilização frequente do computador.

Ao invés, para uma criança de 7 ou 8 anos, que aprendeu a ler e a escrever recentemente, é fundamental desenvolver a motricidade fina, privilegiando a escrita manuscrita, com papel e lápis. Sempre ouvi dizer que a ligação entre o cérebro que pensa e a mão que desenha as letras é determinante nesta fase. E, tanto quanto sei, não existe nenhuma evidência de que esse pressuposto tenha sido alterado.

Se já não concordo com o princípio da realização das provas de aferição em suporte digital, ainda menos me revejo no meio para atingir este fim. É que o meio consiste, inevitavelmente, na necessidade de proceder a um treino intensivo dos alunos, de modo a capacitá-los para a aplicação das provas. Desta forma, crianças que, pela sua idade, ainda deveriam estar numa fase mais analógica, têm forçosamente de estar expostas a ecrãs durante mais tempo do que seria recomendável.

Há quem diga que não custa nada, pois as crianças já nascem ensinadas. Lá que as crianças são particularmente destras a deslizarem os dedos em ecrãs é bem verdade. Aliás, todos ficamos surpreendidos com essa facilidade! Mas aquilo que lhes vai ser pedido não é isso. É bem mais complexo. Têm de conhecer o teclado, de dominar o rato e de ser capazes de fazer scroll, puxando os exercícios para cima e para baixo, de modo a poderem completá-los. E nada disso é propriamente simples nem intuitivo.

Convido quem nunca o fez a observar uma criança desta idade a tentar escrever um texto no computador. E aumento o desafio, sugerindo que imagine — se for capaz — o que é preparar turmas de 25 ou 26 crianças, em simultâneo, com um único professor em sala de aula, para trabalharem com as tecnologias. É fácil de imaginar que todas têm dúvidas e dificuldades ao mesmo tempo, deixando o professor sem mãos a medir.

Primeiro, para abrirem o processador de texto, têm de ser capaz de dominar o touchpad ou o rato, que parece fugir-lhes por entre as mãos. Depois, têm de encontrar as letras no teclado, o que, para quem não conhece a posição das mesmas, é um processo difícil e moroso. E não são só as letras. É necessário descobrir como colocar os acentos, os sinais de pontuação, os sinais matemáticos, como fazer parágrafos, etc., etc., etc..

Neste cenário, a realização das provas em suporte digital desvia a aferição daquilo que inicialmente se pretendia avaliar, ou seja, as competências das áreas curriculares que supostamente deveriam aferir, como o Português, a Matemática ou o Estudo do Meio. Por outro lado, agrava as desigualdades sociais, colocando em vantagem os alunos cujos pais têm maior capacidade para os apoiar nos treinos digitais.

Poderia argumentar-se que todo este trabalho de preparação para as provas não será realizado em vão, na medida em que promove um maior domínio das tecnologias. Apesar de não deixar de ser verdade, a questão é que é prematuro. Há tempo para o fazer, mais à frente. Não será demais salientar que esta obrigatoriedade de introduzir as tecnologias precocemente se enquadra num afã mais geral de encher os currículos, como se estes fossem elásticos, e de hiperestimular as crianças, como se não houvesse um amanhã.

Nenhum destes pressupostos é verdadeiro: primeiro, não cabe tudo e mais alguma coisa dentro da escola, sendo necessário tempo para aprofundar e consolidar as aprendizagens; segundo, é fundamental respeitar o ritmo das crianças para que cresçam e aprendam no momento certo, em vez de pretender apressar o seu desenvolvimento cognitivo, como se as colocássemos dentro de uma estufa ou, em alternativa, procurássemos colher a fruta antes de estar madura. Acreditem que não é por nenhum destes motivos que as crianças aprendem mais, melhor ou mais depressa.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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