O Pasmados branco derruba preconceitos

O vinho da José Maria da Fonseca é excelente para percebermos a riqueza de um vinho branco com um pouco de mais tempo de garrafa. É comprar, provar e guardar algumas garrafas.

Foto
Domingos Soares Franco Ricardo Bernardo
Ouça este artigo
--:--
--:--

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

Esta história é capaz de ter uns dez anos, mas calha bem agora por ocasião do lançamento do Pasmados branco 2020, da José Maria da Fonseca (JMF). Certo dia, cirandávamos nós pela Avenida Marginal, em Ponta Delgada, quando vimos, numa garrafeira famosa na ilha de São Miguel, garrafas de Pasmados branco da colheita de 2007 e 2008 a preços que nem sequer caíam na categoria dos saldos. Depois de confirmarmos que o valor pedido por cada garrafa (à volta de 4 euros) não era nenhum erro, perguntamos por que razão estavam a fazer tal disparate. Primeira resposta: “Um vinho branco com essa idade, está a ver...”. Insistimos: “Mas vocês sabem que esse é um branco criado intencionalmente para evoluir no tempo? Não é para se beber a seguir à vindima...” Segunda resposta: “Pois, tem razão, mas sabe como é, ainda não temos clientes para esse tipo de vinhos”. E, imaginando que pudéssemos continuar com o sermão, quem nos atendia despachou-nos nos seguintes termos: “Olhe, se levar à caixa, ainda fazemos mais uma atençãozinha”. De maneira que carregamos três caixas de seis garrafas e lá fomos a caminho de Vila Franca do Campo, com braço fora da janela em modo de pavão e com o Domingo Soares Franco ao telefone e em alta voz a rir-se do negócio que tínhamos acabado de fazer.

Rir é o modo de vida do administrador e enólogo da JMF, mas, em rigor, Domingos nunca escondeu uma certa tristeza pelo facto dos consumidores não valorizarem vinhos brancos com idade e nunca terem percebido o Pasmados, pelo que chegou mesmo a pensar em descontinuar a marca. Isto de se ser criativo no mundo dos vinhos pode ser um caminho penoso. Num mercado com preconceitos, mudar hábitos é um bico-de-obra e demora tempo. Hoje, os consumidores de vinhos brancos com idade já são um micro nicho. Menos mal, mas há 10 ou 15 anos, nem isso. Infelizmente, a maioria dos consumidores ainda entende que um branco com dois anos é um vinho velho.

O Pasmados renasce na JMF quando Domingos Soares Franco descobre, nos anos 80, umas garrafas de 1963 e 1964 que estavam impecáveis e revelavam uma evolução que dava gozo na prova e na ligação com certas comidas. Vai daí, o enólogo passou a lançar estes brancos com mais tempo de estágio na adega e em garrafa, mesmo sabendo que corria riscos. Portugal é o país onde já se disse que vinhos brancos nem pensar, e agora as coisas são o que são. E também o país onde os rosés jamais pegariam, e agora é bom de ver que não há marca de prestígio que não tenha um rosé no seu portfólio. Com os brancos de idade é a mesma coisa: um dia haveremos de ter páginas de cartas de vinhos nos restaurantes dedicadas a estas preciosidades. Vai ser um bom dia.

Se é certo que nem todos os vinhos brancos têm condições de evolução no tempo, também não é menos certo que muitos vinhos brancos a partir do quarto ou quinto ano de vida adquirem uma complexidade de aromas e sabores que só é possível com a passagem do tempo. De resto, em novos, os vinhos revelam perfis elementares (nota de fruta fresca, battonage, madeiras de estágio e tal). São repetitivos. Com anos de garrafa adquirem identidade própria e ganham um estatuto redobrado à mesa, visto que são um todo-o-terreno.

As nossas últimas garrafas do Pasmados 2007 e 2008 serviram, não há muito tempo, para acompanhar um cozido das Furnas e deram falatório à mesa. Se beber brancos velhos já era (é) uma aventura, com um cozido, foi quase um motim à mesa. Mas há uma coisa que sabemos de ciência certa: um vinho branco velho, em forma, é fantástico para acabar com certos preconceitos. Em São Miguel, há uma casa com gente que já não estranha vinhos brancos com três ou quatro anos. Os preconceitos caíram com o Pasmados.

Nome Pasmados Branco 2020

Produtor José Maria da Fonseca

Castas Viognier, Viosinho e Arinto

Região Península de Setúbal

Grau alcoólico 12,5 por cento

Preço (euros) 10

Pontuação 91

Autor Edgardo Pacheco

Notas de prova Nesta fase, e apesar de ser de 2020, sentimos notas de flores brancas com fruta tropical e o trabalho das barricas onde fermentou 50 por cento mosto. Na boca, finura, equilíbrio (álcool moderado) e aquela acidez que vai dar boa vida ao vinho. Como é evidente, o ideal é comprar umas garrafas, beber uma agora e dar descanso às restantes por dois ou três anos na garrafeira.

Sugerir correcção
Comentar