Por que Portugal ainda não é um país de grandes vinhos brancos

O exemplo mais eloquente do nosso “problema” está nos Vinhos Verdes, onde se fazem alguns dos melhores e dos piores brancos do país. Quais são as grandes marcas das duas maiores empresas da região, a Sogrape e a Aveleda? O Gazela e o Casal Garcia. Isto diz tudo.

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Nelson Garrido

No último Elogio do vinho escrevi que Portugal ainda não é um país de grandes vinhos brancos e que dificilmente algum dia o será. “Dificilmente” não é nunca, mas, sendo uma visão pessimista, justifico-a, sobretudo, com a natureza do nosso clima. Os vinhos brancos gostam de frio — daí haver tão bons brancos na França, na Alemanha, na Áustria e até na Suíça, por exemplo — e o clima de Portugal é tudo menos frio.

Esta tese não é pacífica. Ainda bem. Nas redes sociais, houve quem reagisse assim: “Acho que os [nossos] brancos nunca foram tão bons. (…) Se em 20 anos já atingimos este nível, imaginem onde poderemos chegar com algumas centenas de anos de desenvolvimento?” (Paulo Pimenta). Ou: “Há quem esteja numa situação pior e infelizmente trata-se da minha Itália. Eu acho que Portugal tem mais potencial nos brancos do que nos tintos” (Giorgetti FW Giorgetti). Ou: “Não se confunda clima com meteorologia. Habitamos numa latitude temperada. Tal como o Professor Orlando Ribeiro escreveu, somos um país atlântico com influência mediterrânica evidente” (Afonso Fernandes Marques). Ou: “E há quantos anos (ou gerações) andam eles [os franceses] nisto? (…) Por cá, como sabemos, fora no Douro e no vinho do Porto, há poucas famílias que tenham tradições antigas no vinho. E já não falo em seculares, como os Hugel da Alsácia, por exemplo” (João Paulo Martins).

Juntos, estes quatro comentários dizem quase tudo. Em Portugal, nunca houve uma verdadeira cultura de vinho branco. Por alguma razão. Se consumimos e produzimos mais tinto é porque os nossos solos e o nosso clima são mais favoráveis aos tintos. Os nossos hábitos de consumo são sempre determinados pela geografia.

Claro que dizer de forma taxativa que Portugal tem um clima quente pode ser exagerado. Mas, tirando a faixa litoral, a natureza do nosso clima é claramente mediterrânica. Não é por acaso que os Vinhos Verdes e algumas bolsas da zona de Lisboa mais influenciadas pelo mar são as regiões de maior tradição em vinhos brancos.

No entanto, hoje temos belíssimos vinhos brancos em qualquer região do país. Só no Alentejo e no Douro, podíamos desfiar um rol imenso. Com tecnologia e água na vinha será sempre possível fazer vinho branco. Até no deserto. Mas os grandes vinhos brancos serão sempre excepções em regiões como o Douro ou o Alentejo e estarão confinadas às suas zonas mais altas frescas.

Podemos tentar contrariar a natureza, mas esta acabará sempre por vencer. A vida de um vinho encarrega-se de colocar isso em evidência. Em condições normais, um branco muito bom de uma região quente vai durar menos tempo do que um branco de qualidade semelhante de uma região fria. Ora, “tempo” é o elemento chave na definição de um grande branco. Para se ser “grande” é preciso vencer a prova do tempo. Pintores, escritores e cientistas, por exemplo, chegam a precisar de séculos para atingir o reconhecimento e a fama e serem considerados “grandes”. Nos vinhos acontece o mesmo. Não é ao fim de cinco, dez anos ou até 20 anos que um produtor pode aspirar a ter um vinho reconhecido como “grande”, por muito bom que ele seja. Esse estatuto só se alcança ao fim de muitas décadas, quando a soma de inúmeras colheitas não deixa dúvidas sobre a qualidade e a singularidade do vinho.

Ora, se virmos bem, a esmagadora maioria dos bons vinhos brancos portugueses ainda tem uma história demasiado curta. Em boa verdade, de marcas que continuam no mercado, só os brancos do Bussaco (feitos com uvas do Dão e da Bairrada) e os Porta dos Cavaleiros e Frei João, das Caves de São João, já venceram a prova do tempo. Destes, ainda podemos encontrar garrafas extraordinárias com 40, 50 ou mais anos. Quando queremos surpreender alguém, é nestes vinhos velhos que pensamos. Vinhos com história e com um perfil bem definido.

Em França, há muitos brancos assim, com uma reputação construída ao longo de décadas e até de séculos e baseada no conceito de terroir, no estudo aprofundado dos solos e na supremacia da vinha face à adega. Os lugares e as castas são o selo de garantia dos vinhos. Cada vinha está devidamente estudada e classificada em função do subsolo, solo, altitude, exposição, influência dos ventos, etc. Em Portugal, pouco ou nada está estudado e vale quase tudo. Há umas delimitações gerais e dentro delas cada um faz o que quer. No Douro, por exemplo, os melhores vinhos brancos são feitos por produtores instalados à beira do rio que vão comprar uvas nas terras mais altas, como Murça ou Carrazeda de Ansiães. Não há nada de mal, mas se esses são os melhores terrenos para os vinhos brancos por que razão não são classificados? É como se Montrachet fornecesse uvas a produtores conceituados de Beaujolais e os vinhos fossem classificados com a designação genérica de vinho da Borgonha.

E depois temos as castas. As grandes regiões de vinhos brancos fundaram o seu prestígio em torno de castas específicas: Chardonay na Borgonha, Sauvignon Blanc no Loire (Sancerre e Pouilly-Fumé), Riesling no Mosel e na Alsácia, etc, etc. Em Portugal, tirando Bucelas (Arinto), Colares (Malvasia Fina), Dão (Encruzado), Vinhos Verdes (Alvarinho e Loureiro, sobretudo) e Douro, ainda andamos a experimentar. Na Bairrada, depois de algumas tentativas de afrancesar a região, só agora é que a Bical, a Maria Gomes e a Cerceal começam a ganhar solidez. No Alentejo, as castas principais, a Antão Vaz e a Roupeiro, estão a perder terreno para outras variedades nacionais e estrangeiras. Em Lisboa, região com grande potencial para brancos, ainda é pior. Como a região é “nova”, podia fazer tudo bem feito — mas “bem feito” parece ser introduzir castas francesas, quando seria possível construir uma identidade e um perfil em torno de castas já com história na região, como a Vital, por exemplo. Um dos melhores vinhos brancos de Lisboa, o António, do Casal Figueira, é feito com esta casta.

Exemplo flagrante da falta de organização e rumo no vinho português é o arquipélago dos Açores, onde há quem esteja a fazer vinho de Chardonnay e Sauvignon Blanc, quando há nas ilhas três castas locais extraordinárias: Verdelho, Arinto e Terrantez. Mas o exemplo ainda mais eloquente do nosso “problema” está nos Vinhos Verdes, onde se fazem alguns dos melhores e dos piores vinhos brancos do país. Quais são as grandes marcas das duas maiores empresas da região, a Sogrape e a Aveleda? O Gazela e o Casal Garcia. Isto diz tudo. É assim que queremos ser reconhecidos com um país de grandes vinhos brancos?

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