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Shannon deixou a dieta eterna e livrou-se do “peso da vergonha”
Shannon lutou toda a vida contra a obesidade. A fotógrafa Abbie Trayler-Smith também. Os desafios sentidos por ambas compõem o fotolivro Kiss It!, que resume 12 anos da jornada conjunta.
Era o final dos anos 1980 e a fotógrafa galesa Abbie Trayler-Smith, com apenas 11 anos, deixava mensagens personalizadas nos livros de despedida dos colegas e amigos que partilharam consigo as salas de aula desse ano lectivo. Também o seu livro se enchia de inscrições, mas Abbie aguardava, com grande antecipação, as palavras que Mark, o rapaz por quem nutriu uma paixoneta naquele ano, lhe escreveria. Leu: "Espero que consigas perder peso. Com amor, Mark."
"Ao ler aquele resumo de mim a preto e branco, o meu espírito morreu", escreve agora nas páginas do fotolivro Kiss It!, que será lançado em Junho pela editora britânica Gost. "Ele e os outros viam apenas o meu corpo imperfeito, não o facto de eu ser engraçada, inteligente e calorosa. Comecei a acreditar que se não fosse gorda, de alguma forma tudo na minha vida se resolveria, estaria livre de problemas. Ao entrar na adolescência, isso transformou-se na minha identidade."
Volvidas duas décadas sobre esse incidente marcante, Abbie conheceu Shannon, uma adolescente de 14 anos que "vivia com obesidade". Diante jornalistas e profissionais de saúde, Shannon leu um poema que apelava ao não julgamento de pessoas com obesidade. "Ela era a adolescente corajosa que eu nunca consegui ser", observa a fotógrafa. "Senti que partilhávamos muita coisa, mas que éramos muito diferentes." A partir desse dia, Abbie começou a documentar a vida de Shannon e a de outros adolescentes com obesidade para um projecto que intitulou The Big O.
Ao longo de 12 anos, a fotógrafa representada pela agência Panos Pictures acompanhou o crescimento de Shannon e testemunhou momentos importantes da sua vida. "Conheci o seu primeiro namorado e os seus amigos adolescentes; ouvi-a falar das clássicas querelas familiares. Testemunhei o nervoso miudinho que ela sentiu na festa de finalistas e estava lá quando arranjou o primeiro emprego." Talvez mais importante, a fotógrafa viu Shannon a "descobrir a sua identidade", "a criar um sentido e um objectivo para a sua vida". E ao conhecê-la tão profundamente, Trayler-Smith viu revelada a sua própria história.
Kiss It! é tanto sobre Shannon quanto sobre Abbie que, ao longo do desenvolvimento do projecto, começou a estabelecer um paralelo entre as duas vidas, os dois percursos. "Ao conhecer a Shannon comecei a colocar em perspectiva os meus próprios pensamentos, aqueles com que tinha vivido toda a minha vida. Ela revelou a minha própria história. Isso deu-me a coragem para reler os meus diários de adolescente, que estavam há muito guardados, e partilhá-los neste livro. Pude, assim, libertar-me da vergonha que sempre senti."
Num dos diários de Abbie, que data de 1992, consta uma lista de motivos pelos quais deveria perder peso. "Sentir-me confortável no uniforme da escola", "poder cruzar as pernas convenientemente", "poder usar minissaias, vestidos de licra e roupas que eu gosto e me fazem sentir sexy, não apenas roupas que me servem", "haver mais rapazes que se interessem por mim", "poder flirtar e fazer virar cabeças" são algumas das razões apontadas. Mas Abbie destaca uma que considera ser a mais pungente e que, por isso, abre o fotolivro: "Não ter mais problemas com o meu pai e a minha mãe, que teriam orgulho de mim em vez de vergonha."
Aos 15 anos, em 1992, a fotógrafa achava que perder peso "lhe daria mais oportunidades na vida". Não é incomum haver episódios de bullying contra pessoas com obesidade. Numa das imagens captadas por Abbie, lê-se um SMS que Shannon recebeu no seu dumb phone: "Nunca mostras o teu corpo porque és tão gorda, ninguém te quer ahah e a tua cara gorda também, escória gorda. Vai comer um hambúrguer e volta quando fores um tamanho XL lol".
A relação entre obesidade e saúde mental "é complexa", escreve a jornalista Sally Williams num dos textos que integra o livro. Se na raiz da obesidade podem existir problemas do foro da saúde mental, a vergonha e o estigma associados ao excesso de peso apenas virão agravá-los, explica.
"Através da realização deste trabalho, eu vi como a vergonha [associada à obesidade] me impediu de manifestar o meu verdadeiro potencial", escreve Abbie. "O peso da vergonha impediu-me de me conhecer a fundo durante algum tempo. Hoje tenho 45 anos e estou mais do que bem. E a Shannon também. Foi um privilégio poder conhecer-nos às duas."