Será que as crianças estão cada vez mais imaturas?

Aos seis anos as meninas e os meninos ainda têm idade para ser crianças. A questão é que, nesta idade, já deveriam estar disponíveis para deixar para trás as prerrogativas da primeira infância.

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Jessica West/Pexels

Cada vez que recomeçam com uma turma do 1.º ano, é comum o desabafo dos professores, referindo que as crianças parecem estar cada vez mais imaturas. Por ser tão frequente, esta perceção torna-se interpelante. O que se passará na infância das nossas crianças que se traduz naquilo que parece ser uma dificuldade generalizada em crescer?

De um modo geral, todas as crianças iniciam o 1.º ano com grande alegria e motivação, ansiando a mudança de estado que significa passar para o lado dos leitores. No final da primeira semana de aulas, algumas manifestam mesmo a desilusão de ainda não terem aprendido a ler! Ao fim de um mês, percebem que as atividades escolares pressupõem rotinas, repetições, atenção e implicação por parte do aluno. E mais: compreendem que a necessidade de compromisso com a aprendizagem está para dar e durar.

É precisamente neste momento que a evolução pode não se processar no sentido desejável, com a manutenção de comportamentos considerados demasiado infantis, necessariamente com impacto na escolaridade. Destacam-se entre estes a dificuldade em refrear os impulsos, em cumprir regras e em respeitar limites, a baixa tolerância à frustração, a falta de atenção e a desresponsabilização perante a aprendizagem, com resistência às atividades que impliquem foco, esforço e perseverança.

Como é lógico, aos seis anos as meninas e os meninos ainda têm idade para ser crianças. A questão é que, nesta idade, já deveriam estar disponíveis para deixar para trás as prerrogativas da primeira infância, como o egocentrismo e a impulsividade, e estar a caminhar em direção à segunda infância, adquirindo gradualmente uma maturidade que lhes permita concentrarem-se nas tarefas essenciais à aprendizagem.

Sendo ajustados na educação pré-escolar, há comportamentos que deixam de o ser na transição para o 1.º ciclo, enquadrando-se naquilo que o psicólogo Gordon Neufeld denomina como “síndroma pré-escolar”. Na sua perspetiva, esta síndroma afeta muitas crianças que já ultrapassaram em muito a idade pré-escolar, chegando a observar-se em adolescentes e adultos que, por não atingirem a maturidade, não conseguem ser indivíduos independentes, automotivados, capazes de lidar com as suas necessidades emocionais e de respeitar as dos outros.

O autor Robert Bly vai mais longe ao considerar a imaturidade como endémica à nossa sociedade, referindo que “as pessoas não se dão ao trabalho de crescer”, pelo que nos tornámos “todos peixes num aquário de semiadultos”. Neste contexto, são altamente valorizados os valores que o psiquiatra Carl Jung atribui ao arquétipo puer, baseados no mito da eterna juventude e beleza física, na falta de limites e de autoridade, na pressa e no hedonismo, entre outros.

Saindo de uma época de dominância dos aspetos negativos do arquético senex, assentes na rigidez e no autoritarismo, parece que caímos na outra polaridade, que valoriza excessivamente os valores puer. Só que aquilo falta na estrutura puer, segundo o psicólogo James Hillman, é precisamente o contingente psíquico para refrear, conter, reter e induzir o momento de reflexão.

Assim, de acordo com a visão deste psicólogo, os pais que se norteiam pelos valores puer deixam de transmitir aos filhos aquilo que se ganha com a repetição e a consistência: “A imposição de limites, expressão de amor e de cuidado, função paterna fundamental para a estruturação do ego, são valores senex, que famílias com caraterísticas puer têm dificuldade em assimilar e, portanto, em transmitir”.

Atribuindo grande relevância ao processo de amadurecimento, Gordon Neufeld valoriza aquilo a que chama “funcionamento integrador” que, na sua perspetiva, consiste na capacidade de juntar, ao mesmo tempo, aspetos distintos, como perceções, sensações, pensamentos, sentimentos e impulsos, sem se confundir nos pensamentos nem ficar paralisado nas ações.

De acordo com este este especialista, atingir esta fase do desenvolvimento tem um enorme impacto de transformação da personalidade da criança, que se reflete no seu comportamento, tornando-o mais adaptado. As caraterísticas da infantilidade, como a impulsividade e o egocentrismo, desaparecem e começa a surgir uma personalidade muito mais equilibrada.

Esta capacidade de integração corresponde a uma segunda fase do processo de amadurecimento que, numa primeira fase, passa por um processo de divisão, durante o qual os elementos da consciência – pensamentos, sentimentos, impulsos, valores, opiniões, preferências, interesses, intenções e aspirações − vão sendo separados, até se tornarem distintos e independentes.

Só depois o processo de desenvolvimento mistura esses elementos distintos e separados, tornando-nos capazes de aguentar sentimentos mistos, ao mesmo tempo. É precisamente esse o desafio que se coloca às crianças na transição para o 1.º ciclo: terem de perceber que, apesar de gostarem de brincar, durante as aulas têm de assumir novas responsabilidades, para que, no final, possam experienciar o orgulho e a satisfação de progredir na aprendizagem.

Tal como salienta a psicóloga clínica Laura Sanches, na obra “Como educar crianças desafiantes?”, para que a aprendizagem se processe da melhor forma, é fundamental desenvolver a capacidade de controlar os impulsos e de tolerar sentimentos opostos, ou seja, “perceber que pode ser difícil aprender determinadas coisas, mas que, ao mesmo tempo, irá ser gratificante, depois de ultrapassadas certas etapas.” Em poucas palavras, é necessário amadurecer.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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