Netanyahu exagerou com os palestinianos e deixou fugir os sauditas
Em campanha, Netanyahu apresentou a normalização com o reino que custodia os santuários do islão como objectivo prioritário. Mas a realidade obrigou os países árabes a escolher o lado da Palestina.
Benjamin Netanyahu apostou a segurança de Israel, e a sua credibilidade, na criação de uma aliança regional anti-Irão. Em 2020, assinou os históricos Acordos de Abraão, selando a normalização de relações com os Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Sudão e Marrocos. Apesar de ter celebrado uma “vitória estratégica” inegável, ficou a faltar o principal objectivo: a Arábia Saudita. De regresso ao poder, terá estado muito perto do sucesso, mas deixou escapar a oportunidade.
Na campanha para as eleições, o primeiro-ministro israelita prometeu a normalização com os sauditas; depois de tomar posse, em Dezembro, “não conseguia deixar de falar da Arábia Saudita”, escrevia em Janeiro o jornal Haaretz. O seu entusiasmo com o tema prolongou-se, mesmo por servir de distracção à grave crise aberta com a reforma judicial. Mas a seguir a realidade impôs-se, com os seus aliados radicais na coligação governamental a fazerem o que deles se poderia esperar.
O seu ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, visitou o Pátio das Mesquitas, indignando novos (Emirados, Bahrein) e velhos (Jordânia) aliados: a condenação à “invasão do pátio da mesquita de Al-Aqsa” [terceiro lugar mais sagrado para os muçulmanos], na reacção dos Emirados, uniu Irão (e aliados) e todo o mundo árabe e muçulmano sunita (que a Arábia Saudita considera liderar). Houve mais, como a reconstrução de colonatos na Cisjordânia ou o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, de extrema-direita, a negar a existência do povo palestiniano.
É difícil saber se os sauditas nunca estiveram convencidos a avançar para uma aproximação a Israel ou se foram demovidos pelos acontecimentos. No início de Março, dias antes do surpreendente anúncio do reatar de relações entre Riad e Teerão, o diário The Wall Street Journal divulgava a lista das exigências sauditas para a paz com os israelitas, lista que teria acabado de chegar a Washington – uma teoria é que o fez para mostrar aos Estados Unidos que a porta continuava aberta aos seus objectivos comuns, mesmo sobre Israel.
Certo é que enquanto alimentava expectativas em Israel e nos EUA avançava nas negociações com o país com que historicamente disputa a hegemonia regional, o principal representante do islão xiita.
Alguns analistas consideraram que o pacto que promete abrir portas a uma nova realidade no Médio Oriente enterrou de vez os planos de Netanyahu e os Acordos de Abraão. Na prática, estes acordos não têm recuo e os projectos económicos entre Israel e os vários países não foram travados. Mas a visita aos Emirados, que Netanyahu queria que fosse a primeira do seu novo mandato, nunca aconteceu, com o país anfitrião a cancelar os planos, primeiro em Janeiro e novamente em Março.
Este mês, com os ataques da polícia israelita a Al-Aqsa, durante o Ramadão, o tom das críticas a Israel nas capitais árabes só aumentou. E segundo escreveu esta semana o Wall Street, os sauditas já fizeram saber que as negociações com Israel deixaram de ser um objectivo imediato. Em vez de conseguir cimentar a normalização com Riad, Netanyahu arrisca-se a contribuir para que a causa palestiniana volte a unir árabes e muçulmanos, depois da indiferença e apatia dos últimos anos.
“Todos os muçulmanos têm o dever de deter a escalada israelita contra os locais sagrados islâmicos e cristãos em Jerusalém”, afirmou, no início de Abril, o rei jordano, Abdullah, cita o colunista palestiniano Ramzy Baroud, num artigo publicado no jornal digital Middle East Eye. “Quando isto acontecer”, continua Baroud, “em vez de isolar e intimidar os palestinianos, será Israel que se verá cada mais isolado”.