Associações ciganas leram manifesto contra Governo
“Somos todos cidadãos portugueses, há mais de 500 anos. Devia existir um organismo mais condizente com a nossa raiz”, disse um dos representantes. Manifesto subscrito por nove associações.
Quiseram mostrar o seu “desagrado pelo tratamento que tem sido dado à temática dos portugueses ciganos” e, por isso, um grupo de associações ciganas protestou contra o Governo, com a leitura de um manifesto. O acto de protesto, que constitui uma estreia, decorreu no exterior da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, ao início da tarde desta terça-feira. A indefinição do executivo sobre quem fica com a tutela da integração da população cigana revolta os dirigentes de nove organizações. “Vamos negociar com o Governo, queremos um departamento robusto para trabalhar a nossa temática”, disse o vice-presidente da associação Letras Nómadas, Bruno Gonçalves, aos jornalistas.
Em causa está um volte-face “inaceitável” sobre a tutela desta área e o prazo "irrealista" da nova Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas. As associações que subscrevem o manifesto pedem uma mudança de nomenclatura, capaz de incluir os ciganos. “Somos todos cidadãos portugueses, há mais de 500 anos. Devia existir um organismo mais condizente com a nossa raiz”, reiterou Bruno Gonçalves, que falava em nome dos dez representantes presentes.
Nos últimos anos, as associações exteriorizaram por diversas vezes o seu desconforto por esta área estar na alçada de um organismo chamado Alto Comissariado para as Migrações. Antes desse organismo público ter sido criado, em 2014, houve o Alto Comissariado para a Imigração e as Minorias Étnicas (1996) e o Alto Comissariado para a Imigração e o Diálogo Intercultural (2002).
O manifesto foi subscrito por nove entidades: Associação de Mulheres Ciganas Portuguesas, Letras Nómadas, Ribaltambição, Sendas e Pontes, Sílaba Dinâmica, Raízes Tolerantes, Associação Cigana de Coimbra, Costume Colossal e Agarrar Exemplos.
"Temos todo o direito, enquanto cidadãos, de fazer este manifesto. Estamos descontentes com algumas situações", sublinhou ainda Bruno Gonçalves.
No dia 31 de Janeiro, onze associações estiveram em Torres Vedras numa reunião com a ministra adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes. “Ela prometeu que o ACM não iria terminar e que haveria de se proceder a uma mudança de nomenclatura para acolher a temática dos portugueses ciganos”, tinha relatado já Bruno Gonçalves ao PÚBLICO. Isso mesmo disse também a alta-comissária Sónia Pereira em entrevista ao PÚBLICO, no final de Fevereiro.
Já no dia 5 de Abril, as associações tiveram uma reunião online com a secretária de Estado da Igualdade e Migrações, Isabel Almeida Rodrigues. Ficaram então a saber que, afinal, o ACM fundir-se-ia com a nova Agência para as Migrações e o Asilo. “Ela informou-nos de que passaríamos para a CIG [Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género. Ficámos surpreendidos. A CIG é muito direccionada para as questões de género. Pedimos que migrasse para lá o Núcleo de Apoio às Comunidades Ciganas [a equipa especializada do ACM, formada por seis pessoas]. Ela disse que sim, se fosse esse o desejo dos funcionários.”
Logo no dia seguinte, o Governo aprovou a criação da Agência para Minorias, Migrações e Asilo (APMMA). No comunicado que saiu do Conselho de Ministros, nem uma referência à população cigana. Questionado pelo PÚBLICO sobre o que aconteceria àquela área, até agora não veio resposta do gabinete de Ana Catarina Mendes.
"Éramos cidadãos, agora somos minorias?", questionou Bruno Gonçalves. De acordo com as declarações do representante, o Governo terá dado já um sinal de que está disposto a negociar, mas não há ainda uma reunião marcada. A leitura do manifesto decorreu durante o intervalo para almoço de um encontro sobre planos locais para a integração organizado pelo ACM, que aconteceu na Gulbenkian.
A estratégia 2013-2018 já tinha sido prorrogada para 2022 e há uns meses a sua vigência foi dilatada para Junho de 2023. Questionado pelo PÚBLICO sobre quando haveria nova estratégia, o Governo indicou o segundo semestre. Esse mesmo prazo foi reiterado pela ministra Ana Catarina Mendes em resposta ao repto lançado pelo Presidente da República no sábado, 8 de Abril, Dia Internacional das Pessoas Ciganas.
No seu manifesto, os dirigentes associativos alegam que, mesmo que na mente da ministra esteja o fim do ano, nesse prazo “será difícil elaborar uma nova estratégia tendo em conta que ainda não foi iniciada a avaliação externa”, um processo que lhes parece fundamental para delinear esta. “As associações ciganas não podem aceitar uma nova Estratégia Nacional elaborada em cima do joelho.”