Na rua, oferecem-lhe dinheiro para comprar sapatos, tiram fotografias às escondidas e ficam a sussurrar quando ele passa. Joseph DeRuvo Jr., norte-americano de 59 anos, habituou-se a tudo. Descalço há cerca de 20 anos, encontrou no desconforto de sentir o mundo todo com as solas dos pés uma forma de viver mais plena. Há muitos que tentam adivinhar o porquê de ter deixado de usar sapatos há duas décadas, mas poucos acertam.
“Tenho joanetes inoperáveis e sou alérgico a metal, não o podem colocar em mim. Foi a melhor solução. Nenhuns sapatos eram confortáveis. Tenho pés tão tortos que se usar chinelos eles giram para o lado”, explica, por videochamada. “[Também] sou neurodivergente, com um pé no espectro do autismo. Tenho sensibilidade sensorial e sentir o chão ajuda-me a acalmar.”
Para o ex-fotógrafo, agora instrutor de pilates, andar descalço é uma adaptação de dia-a-dia e Joseph sabe que fazê-lo sendo um homem num país com rendimentos mais elevados torna esta adaptação numa peculiaridade boa para quebrar o gelo em jantares. No entanto, reconhece que a estratégia, por ser menos comum, leva a julgamentos. “Muitas pessoas acham que acordamos um dia de manhã e pensamos: ‘Nunca mais vou usar sapatos’”, conta.
Apesar dos benefícios que diz sentir, começar a andar sem sapatos não foi fácil. Joseph compara o processo a começar a utilizar a mão não-dominante. “Se formos destros e perdermos a mão direita, vamos ter de aprender a usar a esquerda. De igual forma, se passamos a vida a usar sapatos, [ao começar a andar descalço] temos de reaprender a andar. Não é algo que simplesmente acontece...”, explica.
Caminhar deixou de ser uma tarefa automática. Para não se magoar em alguns tipos de terreno, tem de estar permanentemente atento ao que há uns metros à sua frente. Este estado de alerta constante ajuda-o: “Se estivermos calçados, temos o luxo de poder estar distraídos, sem pensar no que está à nossa volta. Para mim, [estar alerta] ajuda-me a concentrar e a não perder o controlo.”
Agora, encontra um obstáculo na simples mudança de estação. E numa altura em que temperaturas mudam de forma cada vez mais repentina, é pior: “O clima que temos tido aqui, em que esteve quente durante uma semana ou duas e depois frio e húmido, é uma maldição. Os meus pés ficam a pensar: ‘O que se passa aqui?’”. Como acontece em outros animais, começou a notar que o seu corpo se adapta às mudanças de temperatura. Refere que os calos são “diferentes no Verão e no Inverno”.
“Pele grossa”
Em 20 anos, Joseph DeRuvo habituou-se a lidar com um leque de reacções. “Normalmente não falam na minha cara. Às vezes, estou na cidade com a minha filha mais nova, que costuma andar de saltos altos, e eu vou ao lado descalço. A minha esposa fica uns passos atrás e vê. Assim que passamos, tiram os telemóveis para tirar fotografias ou falam com os amigos. É engraçado”, desvaloriza.
Os comentários menos agradáveis vêm das redes sociais, como aconteceu quando o The New York Times publicou um artigo sobre a sua história e o acusaram de “querer atenção”. “Lunático, perverso, woke, liberal” são as acusações mais comuns. “As pessoas têm uma cena por pés”, dizia, no artigo. “Tenho pele grossa [da expressão inglesa thick skin, ter uma “carapaça”]. Mais grossa do que a dos meus pés”, brinca. Ainda assim, confessa que gostava que “as pessoas dessem espaço umas às outras”.
Mesmo sem sapatos, Joseph não costuma ser impedido de entrar em estabelecimentos. “Normalmente, não peço permissão. Simplesmente entro e faço o que tenho a fazer. E, na maioria das vezes, não param o que estão a fazer para me abordar.” Reconhece, porém, que já chegou a ser convidado a sair.
“De vez em quando, tocam-me no ombro e pedem-me para sair. Eu explico que é um problema de saúde e que há direitos constitucionais para pessoas com deficiências. Às vezes deixam-me ficar, outras vezes dizem: ‘É contra a política da nossa loja.’ Eu digo que não pode ser, mas tiram-me à mesma.”
Nos Estados Unidos, não existem leis que obriguem pessoas a utilizar sapatos em locais públicos, tirando algumas excepções, como alguns passadiços e restaurantes da costa Leste e alguns edifícios do Governo. Inclusivamente, a Lei dos Americanos com Deficiência — criada em 1990 para garantir aos cidadãos americanos com deficiência o pleno acesso a estabelecimentos públicos, igualdade de oportunidades de emprego e acesso a serviços governamentais — dita que “modificações razoáveis em políticas, práticas e procedimentos podem ser requeridas, a não ser que uma entidade demonstre que as mesmas modificações alterariam fundamentalmente a natureza dos bens, serviços, instalações, privilégios, vantagens ou acomodações envolvidas.”
“Neste país, podemos andar com uma AR15 pendurada no ombro, mas, se andar descalço, parece que eu é que ando armado”, compara Joseph DeRuvo.
Os momentos em que os amigos o convidam para ir, com a esposa, a um restaurante, são das poucas situações em que se calça: “Uso uma espécie de luvas para os pés. Têm uma sola com um milímetro ou dois de espessura, muito fina. Entro com elas e tiro-as assim que nos sentamos. Ao sair, já saio descalço.”
No entanto, reforça, é muito raro visitar restaurantes, a não ser como convidado. “O ambiente não é agradável. É muito stressante para mim e, ainda por cima, tenho de colocar alguma coisa nos pés.”
Encontrar conforto no desconforto
Andar descalço não foi a única alteração que Joseph fez ao seu dia-a-dia, para viver melhor. “Não temos mobília acolchoada em casa. Eu gosto que as superfícies sejam duras, gosto de sentir as coisas à minha volta. Não temos ar condicionado. Para os meus sentidos, é confortável”, explica. Destaca o apoio da família como essencial e reforça que “nunca ninguém se queixou”.
Ao caminhar pelos mais variados tipos de terreno, a falta de conforto constante trouxe também benefícios a nível psicológico. Agora, considera que está num “bom momento” e em plenitude: “Há paz em estar neste estado orgânico. Orgânico no sentido de ser a expressão mais confortável do meu ser. E estar num sítio onde posso ser quem sou e não peço desculpa, nem me sinto menos do que alguém, é um óptimo sítio para viver a vida”, conclui, a sorrir.