Começo esta newsletter com uma aposta (que, como todas, tem algum risco). Aposto que o leitor, ou leitora, não conhece o nome Mukesh Ambani.
Acontece com tudo e a tecnologia não é excepção: o Ocidente observa o mundo com um olhar centrado na sua própria geografia e apenas de vez em quando se desvia para outras longitudes. Sabemos que smartphones e computadores são feitos com minérios vindos de países africanos e tingidos de miséria humana, incluindo escravatura; que estes produtos são muitas vezes feitos em fábricas onde os direitos dos trabalhadores são uma miragem; que a China está a apostar na inteligência artificial e que o TikTok veio de lá para conquistar cá a atenção dos jovens e preocupar os governos; que aplicações como a Uber vendem mobilidade recorrendo a "prestadores de serviços" que são muitas vezes imigrantes de países distantes.
Naturalmente, o resto do mundo não é um fornecedor de matéria-prima ou mão-de-obra para o Ocidente. Em África, nas Américas do Sul e Central, e na Ásia, onde habita a maioria da população mundial, a tecnologia tem protagonizado fenómenos próprios que facilmente passam ao lado de quem está num país como Portugal.
Mukesh Ambani não é uma personalidade que apareça com frequência nas notícias – pelo menos, não nas notícias dos países ocidentais. Indiano, de 65 anos, é a 11.ª pessoa mais rica do mundo e o mais rico da Ásia. Está uns lugares acima de Mark Zuckerberg, de quem é possível que já tenha ouvido falar, e imediatamente abaixo dos fundadores do Google, Larry Page e Sergei Brin.
Ambani herdou um império industrial assente na refinação de petróleo. Mas parte da sua carreira como empresário centrou-se também nos media e na tecnologia. As suas empresas criaram, compraram, investiram em, ou de alguma forma ajudaram a distribuir produtos e serviços como o JioPhone Next, um telemóvel Android ultra-barato feito em parceria com o Google; o Justdial, o principal motor de busca indiano, (que também pode ser usado via chamada telefónica); o Voot, uma plataforma de vídeo com 100 milhões de utilizadores; o Fynd, um serviço para lojas físicas venderem online; e a Grab, uma empresa de origem malaia que derrotou a Uber nos mercados sul-asiáticos e que, para além de serviços de entregas e de mobilidade, também vende serviços financeiros.
A lista é muito, muito mais longa. Mas esta newsletter não é especificamente sobre Ambani. É sobre o Rest of World, uma interessantíssima organização de jornalismo sem fins lucrativos, dedicada a cobrir o mundo da tecnologia de uma perspectiva não ocidental.
O Rest of World detalha como os negócios de Ambani tocam a vida de muitos milhões de pessoas. Também tem um artigo sobre como o TikTok está a pôr os monges cambojanos a infringirem o seu código monástico. Há uma reportagem sobre os trabalhadores na Colômbia que estão nos bastidores das live cams para adultos: dão conselhos sobre como posicionar as câmaras e montar o cenário; prestam apoio informático; traduzem para espanhol os pedidos dos utilizadores nos chats (estimativas indicam que a Colômbia é o segundo país que mais factura com este tipo de negócio; o primeiro é a Roménia).
Há ainda por lá um artigo sobre a Bondee, uma aplicação de metaverso que está a ganhar popularidade na Ásia. Outro que conta como uma aplicação nepalesa chamada Hatti Ayo ajuda uma aldeia a evitar ataques de elefantes, poupando a vida de pessoas e animais. E um outro a explicar como o Xiaohongshu, uma espécie de Instagram chinês, se tornou um oásis para as pessoas transexuais naquele país.
Lê-se no site: "'Resto do mundo'" é um termo corporativo ridículo frequentemente usado em operações empresariais globais. É um termo-chapéu que significa, basicamente, 'todos os outros'. E, no geral, representa milhares de milhões de pessoas fora do mundo ocidental. Sabemos que as suas histórias importam. O termo 'resto do mundo' é um sintoma de um problema mais vasto: uma visão do mundo centrada no Ocidente que deixa inúmeros pontos de vista, oportunidades e complexidade fora da discussão."
É verdade. E, para o caso de ter perdido a aposta com que arranquei este texto, deixo aqui outra: aposto que se for ao Rest of World vai descobrir algo que faz parte do quotidiano de milhões de pessoas e que era, para si, completamente desconhecido.