Eu, apreciador das castas brancas* portuguesas, me confesso (sem ser fundamentalista)

Eis dois dos vinhos que mais me tocaram, nos últimos tempos, pela sua frescura, mas também pelo bom balanceamento, estrutura, volume, capacidade de envelhecimento, complexidade, mineralidade e finura.

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Um dos vinhos que José Carvalheira sugere nesta sua estreia n'O Vinho dos Outros chega-nos desta paisagem no Pico, Açores Rui Soares

*mas também de tintas

A frescura, mas também o bom balanceamento — alguns dirão que o termo correto é equilíbrio, mas permitam-me que use, como prefiro, a palavra balanço ou balanceamento —, a estrutura, o volume gustativo, a capacidade de envelhecimento, a complexidade aromática, ainda mais do que a intensidade, a mineralidade, a limpeza aromática, por um lado, e por outro a finura, são caraterísticas que relevo quer nos vinhos brancos em cuja criação tenho uma palavra a dizer, quer nos que vou tomando por aí, que vou encontrando, que vou descobrindo, que me vão apresentando, que vou comprando, que me vão oferecendo.

Nos últimos tempos, dos variadíssimos vinhos que experienciei, nas várias circunstâncias da minha vivência profissional ou pessoal, quero aqui referir-me, nesta rubrica em que compete aos enólogos desnudar os vinhos, a dois dos que me tocaram mais, de regiões bem distintas, de estilos de vinificação também distintos e de castas muito distintas, que andam relativamente afastados dos principais escaparates, até em razão de se tratarem de vinhos de produção relativamente escassa, mas que possuem várias das caraterísticas sensoriais que aprecio em vinhos brancos e a que anteriormente já me referi. São eles o Insula Arinto dos Açores 2019 e o Encostas de Melgaço Alvarinho Único 2019.

O Insula Arinto dos Açores 2019, feito com uma casta que apenas se cultiva nestas ilhas, apresenta-se límpido, como convém a qualquer vinho engarrafado. Apesar de uma ligeira opalescência não ser para mim defeito, sê-lo-á para a maioria dos consumidores, pelo que os produtores garantem, quase sempre, que os vinhos se apresentam límpidos, para se evitarem sobressaltos nos consumidores, e mesmo para se evitarem reclamações e devoluções. Avançando deste aparte, a cor deste vinho é dourada evidente, uma cor a que os produtos contemporâneos mais massificados procuram fugir, uma vez mais para agradar a mais consumidores.

O seu aroma é muito complexo, começando por se perceber notas frutadas subtis, mas também de frutos secos ligeiramente torrados, de cera de abelha, ligeiríssimo querosene e abundante maresia, as mesmas que sentimos quando estamos com os pés mergulhados na água do mar, como as videiras que originaram este vinho tem. Mas notamos ainda uma agradável nuance mineral, de pederneira, e ainda uma componente balsâmica, no aroma deste vinho. Quando colocado na boca, revela-se bastante seco, possuidor de uma acidez marcante, como é timbre da casta e do local (clima atlântico e solos basálticos picarotos), confirmando-se ainda as mesmas sensações aromáticas tidas aquando da olfação direta. Longo, salino, fazendo-nos salivar, o que é um excelente presságio para ser boa companhia à mesa, mesmo com iguarias mais exigentes. O PVP mencionado pelo produtor é 17,89 euros.

O Encostas de Melgaço Alvarinho Único 2019 também se apresenta límpido e possui uma cor citrina amarelada. O seu aroma é rico, como é caraterístico desta grande casta branca portuguesa, demonstrando numa primeira camada, dominando, notas frutadas evidentes, sentindo-se até, tenuemente, frutos exóticos, mas numa vertente mais evoluída. Nas camadas seguintes, outras notas aromáticas vão surgindo, comprovando a sua complexidade, como chá, folhas e cascas de citrinos, mas secos, e um ligeiro toque mineral, e um outro especiado.

Na boca é cheio, é volumoso, apresentando a acidez bastante bem balanceada com as sensações suavizantes do álcool. As sensações agradáveis perduram prolongadamente em boca, o que designamos de persistência olfato-gustativa. É esta, na maioria das vezes, que permite diferenciar os vinhos mais grandiosos, dos mais comuns. Este é um vinho polivalente, que preferencialmente deve acompanhar uma refeição, mesmo de um prato mais robusto, mas que também acompanha bem uma conversa, a leitura de um livro, a audição de música ou a visualização de um filme. O PVP médio indicado pelo produtor é 10,15 euros.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico. Este artigo é publicado no âmbito de um desafio lançado pelo Terroir a vários enólogos para escreverem sobre O Vinho dos Outros

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