Tunísia enfrenta oposição global por causa de violência racista

Banco Mundial anunciou que suspende trabalho futuro e União Africana adia conferência em resposta a ataques contra migrantes subsarianos, na sequência de um discurso do Presidente Kais Saied.

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O ministro dos Negócios Estrangeiros da Tunísia, Nabil Ammar, rejeitou acusações de racismo MOHAMED MESSARA/EPA

A Tunísia está a ver consequências, na arena global, de um discurso racista do seu Presidente, que levou a uma onda de ataques contra migrantes africanos. O Banco Mundial anunciou, no domingo, que suspendia o trabalho futuro com o país, que enfrenta uma crise económica, e a União Africana adiou uma conferência que teria lugar no país em meados de Maio.

O Departamento de Estados dos EUA afirmou, na segunda-feira, estar “profundamente preocupado” pelos comentários do Presidente e pelos relatos de detenções arbitrárias.

Num discurso a 21 de Fevereiro, Kais Saied afirmou que migrantes sem documentos eram responsáveis por um aumento do crime, que “o objectivo não declarado das vagas sucessivas de imigração ilegal é considerar a Tunísia um país puramente africano sem ligações às nações árabe e islâmica”.

O discurso foi seguido de dezenas de detenções, de expulsões de centenas de pessoas de casas que arrendavam pelos senhorios, e houve ainda centenas de despedimentos, disse a organização não-governamental Fórum Tunisino para Direitos Económicos e Sociais (FTDES). Muitos africanos foram também alvo de ataques físicos violentos.

Segundo a emissora francesa RFI, temendo a violência, centenas de pessoas da África subsariana deixaram a Tunísia durante o fim-de-semana.

E estudantes africanos no país – associações de estudantes dizem que há entre 5 mil a 7 mil estudantes da África subsariana – têm assistido a aulas online, oferecidas por muitas universidades, que aconselharam estes estudantes a ficar em casa, diz ainda a RFI.

A Costa do Marfim, Mali e Guiné-Conacri começaram a repatriar cidadãos na semana passada, segundo a emissora Al-Jazeera.

"Distrair os tunisinos"

O discurso de Saied foi muito criticado na Tunísia. O porta-voz da ONG FTDES, Romdhane Ben Amor reagiu criticando uma campanha que tem como objectivo “criar um inimigo imaginário para distrair os tunisinos dos seus problemas básicos”, citava a Reuters.

Em protesto, o Banco Mundial, que é um dador importante para a Tunísia, ajudando na importação de bens alimentares e desenvolvimento empresarial quando o governo procura obter um empréstimo do FMI (Fundo Monetário Internacional), vai suspender a preparação do programa 2023-2025 e adiar um encontro de 21 de Março que iria rever esse programa.

O trabalho actual, no entanto, continua, embora o organismo diga que a segurança do seu pessoal no país, especialmente pessoas africanas, é a sua prioridade. Medidas para o aumento de segurança do staff podem, assim, resultar em atrasos na entrega da ajuda, admitiu o Banco Mundial.

“A segurança e inclusão de migrantes e minorias fazem parte dos valores centrais de inclusão, respeito e anti-racismo em todas as suas formas”, escreveu o presidente do Banco Mundial, David Malpass, numa nota a que a agência Reuters teve acesso. “Comentários públicos que fomentem a discriminação, agressão, e violência racista são totalmente inaceitáveis.”

“Os africanos são nossos irmãos”

No Domingo, o Presidente fez um volte-face e denunciou o racismo, indicando potenciais consequências para quem atacar migrantes.

E também o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Nabil Ammar, deu uma conferência de imprensa, dizendo mesmo que a Tunísia é o último país do mundo que pode ser acusado de racismo”.

O Banco Mundial referiu-se a “passos” do Governo para “proteger e apoiar migrantes e refugiados” como “positivos” e irá manter-se atento “ao seu impacto”.

No domingo, o Presidente, que levou a cabo um processo de concentração do poder, vencendo eleições com uma participação de menos de 9%, declarou mesmo: “Os africanos são nossos irmãos”, lembrando que a Tunísia ajudou a fundar a Unidade Africana, que se veio a tornar a União Africana.

Mas a própria aliança que junta países africanos criticou logo com veemência o discurso, chamando o representante tunisino para expressar “choque e preocupação com a forma e substância das declarações do Presidente”, que classificou como discurso de ódio racializado.

Esta segunda-feira, a organização anunciou, numa mensagem ao canal de informação económica Bloomberg, que adiava um encontro previsto para o país sobre a luta contra fluxos de verbas ilícitos que estava marcado para meados de Março.

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