Esporão entra no campeonato dos vinhos de talha

A empresa faz vinhos de talha desde 2014, mas só agora colocou no mercado duas colheitas, e com tempo de garrafa pouco habitual nesta categoria. Valeu a pena esperar.

Foto
O Esporão começou a fazer vinhos de talha em 2014, mas só este ano decidiu lançar nos circuitos de distribuição nacional um Roupeiro de 2019 e um Moreto de 2020 Rui Gaudêncio

A cultura organizacional de algumas empresas de vinho faz-nos lembrar um certo carácter dos chefs de cozinha que gostamos de dividir nas seguintes categorias: os repentistas e os racionalistas. O repentista é aquele a quem se lança um desafio com um ou dois ingredientes e, meia dúzia de horas depois, sai um prato novo (Vítor Sobral, por exemplo); o racionalista é aquele que precisa de dias, semanas ou meses para apresentar um prato que é suposto perdurar no tempo (caso de Miguel Castro e Silva, o chef português que tem receitas registas no Larousse Gastronomique). Tais comportamentos não dizem que um chef é melhor do que outro, até porque estamos perante dois senadores da cozinha portuguesa. Revelam apenas maneiras de ser. E nós gostamos disso. Gostamos da diferença.

No caso do vinho, existem semelhanças. Há empresas e/ou enólogos que entendem que o lançamento de novos vinhos todos anos (vinhos com perfis mais disruptivos ou exploração de castas minoritárias) é uma boa estratégia para se manterem no radar das notícias (António Maçanita, Luís Pato, Soalheiro ou Paulo Nunes) e há empresas que só lançam novos vinhos depois de muito tempo de testes, estudos e reflexões. Uma destas, a que nos interessa hoje, é o Esporão.

O Esporão é um caso de estudo a diferentes níveis. Se comemora este ano as bodas de ouro, é, de há muito tempo, a empresa portuguesa de vinhos com maior notoriedade junto dos consumidores. Isto, por si só, seria a condição elementar para que o lançamento de um novo vinho fosse um processo relativamente rápido. Mas não é. Repare-se nisto. A empresa de Reguengos começou a fazer vinhos de talha em 2014. Na sua essência, um vinho de talha é para ser consumido pouco tempo depois da vindima, mas a equipa do Esporão só este ano decidiu lançar nos circuitos de distribuição nacional um Roupeiro de 2019 e um Moreto de 2020 (sim, o branco é mais antigo).

Claro que quem ia ao restaurante na herdade podia, há muito, provar vinhos de talha e outras experiências com castas mais raras, mas era só mesmo ali. E quando mostrávamos o nosso espanto pelo facto de tais vinhos interessantes não estarem no circuito comercial, recebíamos como resposta humorada o slogan da empresa: “Mais. Devagar”. Espertinhos. Não se lhes pode acusar de falta de coerência.

Agora, em termos práticos, talvez tudo isso tenha a ver com a dor de cabeça que é listar no mercado outra marca de uma empresa que já tem muitas referências de diferentes regiões, talvez tenha a ver com a necessidade de perceber se o renascimento dos vinhos de talha é um fogacho (há ainda muito produtor que pensa assim) ou uma tendência que veio para ficar ou talvez houvesse cuidados em sentir como é que os consumidores habituados ao perfil internacional dos vinhos Esporão (trabalhados quase sempre com barricas novas) iriam receber vinhos que recorrem a uma tecnologia histórica e rústica.

Seja como for, saúda-se a estratégia de permitir que os consumidores possam ter acesso a vinhos de talha com a chancela Esporão, até porque há um detalhe que faz a diferença perante outros produtores de vinhos de talha: o lançamento de vinhos com tempo de garrafa. Nesta matéria, o Esporão marca pontos porque, além de ter seguido todas regras elementares na feitura destes vinhos, demonstra que o vinho de talha não foi feito apenas para se beber num intervalo de 12 meses, como manda tradição para os lados da Vidigueira e arredores. Um vinho de talha com algum tempo de garrafa ganha complexidade. E o Esporão Roupeiro 2019 é, de facto, um grande vinho de talha.

Nome Esporão Vinho de Talha Branco 2019

Produtor Esporão

Castas Roupeiro

Região Alentejo (Reguengos)

Grau alcoólico 13,5 por cento

Preço (euros) 29

Pontuação 95

Autor Edgardo Pacheco

Notas de prova A primeira prova de que as talhas foram mesmo pesgadas sente-se pelo aroma de mel e resina no nariz, à mistura com notas de especiarias, frutas de caroço (pêssego) e folhas secas. Na boca, tem um ataque envolvente, cativante e untuoso, mas bem balanceado por via da acidez e apesar do álcool que se sente (pode enganar os distraídos). Belo branco de talha.

Nome Esporão Vinho de Talha Tinto 2020

Produtor Esporão

Castas Moreto

Região Alentejo (Reguengos)

Grau alcoólico 13,8 por cento

Preço (euros) 29

Pontuação 93

Autor Edgardo Pacheco

Notas de prova Da casta Moreto já provámos tintos abertos e elegantes e tintos bem carregados e a cheirar a frutos maduros, terra, bosque húmido e afins, como é o caso deste tinto de talha. A boca vai pelo mesmo caminho, com certas notas vegetais a equilibrar o conjunto. Ainda assim, um pouco de mais frescura não lhe ficaria nada mal.

Sugerir correcção
Comentar