Uma razão inesperada para aplicar botox

Neurocientista espanhola explica como os sinais do nosso corpo ajudam o cérebro a decidir como agir — e dá razão a Chaplin e a dermatologistas.

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Se os músculos estão paralisados pela injeção de toxina, não conseguimos parecer preocupados DR/Vlad Egorov via Unsplash

Eu tinha uns 11 anos quando conheci uma professora que só começava a aula quando todos os alunos estivessem alinhados nas carteiras: com a coluna ereta e os olhos voltados para a lousa. Enquanto houvesse um largado na cadeira, nada feito. Ela defendia que a boa postura precedia a disciplina e garantia um bom aprendizado.

Sempre achei que fosse só uma desculpa para acabar logo com a balbúrdia, mas a ciência tem comprovado que a tática da minha professora da quinta série era muito mais sábia do que isso.

É o que explica a neurocientista espanhola Nazareth Castellanos, professora da Universidade Complutense de Madri, ao site da BBC. Segundo a especialista, a nossa postura ajuda nosso cérebro a decidir como devemos agir.

Se estamos com a coluna reta, tendemos a estar atentos. Se estamos jogados, tendemos a ficar relaxados, dispersos. A mesma lógica explicaria adotar uma postura de super-herói – ombros para trás, peito aberto, confiante — antes de uma tarefa difícil. E quem, como eu, acompanha a interminável série Anatomia de Grey (podem me julgar por isso), viu as personagens repetirem o gesto antes de mais uma cirurgia miraculosa.

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Personagens da série "Grey's Anatomy" buscam confiança em postura corporal antes de fazer uma cirurgia. DR

Castellanos revela que temos sete, e não cinco sentidos, como costumamos contabilizar. E que os dois de que não falamos são até mais importantes. Além de tato, paladar, olfato, visão e audição — voltados para perceber o mundo externo —, temos dois sentidos especializados no nosso mundo interno.

O primeiro é a interocepção, a capacidade de perceber o que acontece dentro do nosso corpo. Como está batendo nosso coração ou o ritmo da nossa respiração. O segundo, a propriocepção, que “lê” como está nosso corpo por fora e traduz a informação para o cérebro.

De acordo com a pesquisadora, há toda uma área no cérebro, o córtex somatossensorial, para interpretar os sinais que o nosso corpo nos envia. E há mais neurônios dedicados às partes consideradas mais importantes: o rosto, as mãos e a coluna.

Se estamos curvados, com os ombros encolhidos, nosso cérebro, descreve Castellanos, começa a ativar mecanismos típicos da tristeza. Se, por outro lado, batemos palmas, podemos ativar circuitos neurais ligados à alegria. Se o corpo informa ao cérebro como devemos agir, podemos, então, usar o corpo para alterar nosso estado de espírito?

A resposta é sim. Segundo a ciência, o conselho da letra que John Turner e Geoffrey Parsons escreveram para a melodia composta por Charles Chaplin está correto:

Light up your face with gladness/ Hide every trace of sadness/ Although a tear may be ever so near/ That’s the time you must keep on trying/ Smile what’s the use of crying/ You’ll find that life is still worthwhile/ If you’ll just/ Smile.

E eu poderia deixar vocês por aqui, com esse pensamento revigorante de que podemos melhorar nosso estado de espírito ao colocar um sorriso no rosto. Fake until you make it. Mas quando li essa entrevista, me dei conta também de que havia topado com uma justificativa heterodoxa para aplicar botox.

“Quando franzo a testa, estou ativando minha amígdala, portanto, se surgir uma situação estressante, vou ficar mais estimulado, vou reagir mais, porque já tenho essa área preparada”, diz Castellano. “Tentar relaxar essa parte, o cenho, desativa um pouco a nossa amígdala, relaxa”.

Se os músculos estão paralisados pela injeção de toxina, não conseguimos parecer preocupados. Deixamos de ter o triangle of sadness, essa área entre os olhos que vai ficando marcada com o tempo e as dificuldades da vida. É daí, aliás, que vem o nome de um dos filmes indicados ao Óscar este ano, que mostra um casting de modelos com uma exigência: uma expressão em que se veja pouco o tal triângulo.

Basicamente, podemos argumentar que colocamos botox para ter mais paz de espírito. Sem dúvida, parece mais nobre do que simplesmente aceitar que cedemos à pressão de padrões estéticos ou à busca da juventude eterna. Da próxima vez que for a um dermatologista, vou lembrar-me disso se for pagar por uma injeção na testa. Só vou tratar de garantir que a amplitude do sorriso seja a mesma, claro.


A autora escreve em português do Brasil

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