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Foram “descongeladas” imagens raras da “idade heróica” das expedições à Antárctida
As imagens espelham, “num raro vislumbre, as difíceis condições que os exploradores enfrentavam” na vastidão gelada da Antárctida, nas primeiras décadas do século XX. Recursos limitados e meios de transporte e de comunicação arcaicos transformavam exploradores em heróicos sobreviventes.
O Arquivo Nacional da Austrália e o Departamento Australiano da Antárctida terminaram, recentemente, o processo de digitalização de centenas de fotografias de expedições britânicas e australianas à Antárctida que estiveram, ao longo de mais de um século, "escondidas" do olhar público em negativos de chapa de vidro. As imagens obtidas descrevem as condições severas que os exploradores enfrentavam no continente gelado, na primeira metade do século XX, mas não só: elas trazem também um raro vislumbre sobre as espécies animais que por lá habitavam.
Desde o início do século XIX que exploradores de várias nacionalidades procuravam um continente a sul a que chamavam Terra Australis Incognita. Entre a descoberta do continente, em 1820, e a primeira expedição, que teve início em 1898 e terminou dois anos depois, passaram-se 80 anos; mas a partir desse momento nasceu aquela que ficou conhecida pela "idade heróica das expedições à Antárctida".
Não foi por acaso que surgiu a denominação "idade heróica". Os exploradores não tinham forma eficaz de comunicar à distância ou grandes meios de salvamento à disposição. Os equipamentos de protecção eram também menos avançados e eficazes em comparação com os que estão disponíveis actualmente. Os navios onde viajavam estavam mal preparados para enfrentar o gelo e, uma vez presos, dificilmente poderiam libertar-se, comprometendo a sobrevivência da tripulação que ficava, assim, sujeita ao risco de hipotermia e fome.
Entre 1898 e 1922, foram inúmeras as expedições levadas a cabo por vários grupos de exploradores — sobretudo ingleses, mas também escoceses, suecos, noruegueses e australianos. Algumas das imagens contidas neste novo arquivo histórico, que se encontra inteiramente disponível online, mostram uma das mais famosas expedições da "idade heróica", conhecida por Expedição Antárctica Australasiática, que teve o explorador Douglas Mawson como principal protagonista. Muitas mais existiram, com diferentes protagonistas, mas as venturas e desventuras de Dawson e companheiros de expedição num território ainda por mapear espelham fielmente as dificuldades de semelhante missão à época.
Dawson e a sua equipa fizeram a travessia entre a Austrália e a Antárctida no navio Aurora, inteiramente feito de madeira e com reforço de aço na proa, o que o tornava medianamente apto a cortar gelo. À chegada, sob ventos de 240 quilómetros por hora, o grupo de exploradores construiu um abrigo de madeira que se mantém de pé até aos dias de hoje. Nessa estrutura estabeleceu a primeira via de ligação de rádio com a Austrália. O objectivo da expedição liderada por Dawson era mapear o território e recolher amostras para investigação científica; para o efeito, apontou dois homens entre os 18 que o acompanharam, Xavier Mertz e Belgrave Ninni, que consigo e com um grupo de cães husky percorreriam a pé a vasta imensidão branca.
Os três homens percorreram cerca de mil quilómetros para leste a partir da cabana. À medida que avançavam, as condições climáticas tornaram-se adversas, o terreno tornou-se mais acidentado e, um mês após a partida do abrigo, a tragédia atingiu a comitiva. Ninni caiu numa crevasse, uma fenda natural que se forma entre placas de gelo que pode atingir os 50 metros de profundidade, arrastando consigo um conjunto de cães e grande parte dos mantimentos do grupo. Impossibilitados de recuperar o companheiro de exploração, que ficou para sempre perdido no gelo, e percebendo que se encontravam em apuros, Dawson e Mertz decidiram regressar à base.
A viagem de regresso, no entanto, traria mais dissabores. A meio do percurso, Dawson e Mertz ficaram sem comida. A situação tornou-se tão desesperada que tiveram de comer os seus cães para conseguirem sobreviver. Não sabiam, porém, que o fígado canino é tóxico para seres humanos quando ingerido. Os homens ficaram doentes e Mertz acabou por morrer.
Sozinho, doente e praticamente sem comida, Dawson manteve o fito de regressar à cabana. Ao longo dos 160 quilómetros de percurso que lhe restavam, enfrentou um nevão e caiu, à semelhança de Ninni, numa fenda profunda. Por sorte, o seu trenó ficou preso na neve, como uma âncora, e a corda que os ligava impediu que deslizasse até ao fundo. Conseguiu reunir forças para regressar à superfície e percorrer o restante caminho, tendo chegado à base com muitas mazelas, mas em relativa segurança.
Apesar de todas as adversidades, a equipa liderada por Dawson mapeou uma área de cerca de 550 quilómetros e levou para a Austrália um conjunto de observações, amostras biológicas e geológicas que, ainda hoje, são consideradas de grande relevância. Um dos elementos do grupo, Francis Bickerton, recolheu, por exemplo, o primeiro meteorito encontrado na Antárctida.
Muitas das fotografias do arquivo foram tiradas pelo capitão John King Davis, que participou em diversas expedições, incluindo a Expedição Antártica Australasiática, onde assumiu o papel de comandante do navio Aurora. Retratos de outros exploradores da época, como Joseph Kinsey, Ernest Shackleton e Frank Stillwell, fazem também parte do conjunto disponibilizado pelo arquivo australiano.
"Esta colecção é rara e frágil", refere Steven Fox, assistente da direcção-geral e gestor da colecção do Arquivo Nacional Australiano, num comunicado dirigido ao P3. "Adquiri-la, conservá-la, digitalizá-la e preservá-la torna-a acessível às gerações de hoje e às futuras."