Académicos e alunos lançam plataforma contra “lógica empresarial” nas universidades
Think tank lançado neste fim-de-semana junta professores, investigadores, alunos e trabalhadores das instituições académicas, alinhados para contrariar “narrativas dominantes” no sector.
São cerca de 100 os professores, investigadores, divulgadores de ciência, alunos e também trabalhadores das instituições de ensino superior e ciência que lançam, neste fim-de-semana, a plataforma Universidade Comum. Apresenta-se como um think tank que quer ser ouvido nas grandes discussões do sector e contrariar as “narrativas dominantes” que dizem estar a submeter o conhecimento a lógicas empresariais.
Os estudantes querem que as instituições de ensino superior deixem de ser apenas “fábricas de estagiários” para alguns sectores de actividade, defende Francisco Maria Pereira, estudante de mestrado na Nova School of Business and Economics, que presidiu à Federação Académica de Lisboa no último ano. É um dos membros da equipa executiva da nova plataforma.
A Universidade Comum quer “contrariar” as “narrativas dominantes” do sector, acrescenta o antigo dirigente estudantil. “Não são as únicas possíveis e não são necessariamente as melhores”.
No “manifesto fundador” que a plataforma Universidade Comum lança neste fim-de-semana, o grupo nota que “a denominada modernização do sector foi ensaiada com a inscrição da lógica de utilizador-pagador no caso da implementação da política de propinas, o aumento da produção científica foi alicerçado em trabalho precário altamente especializado e a governação das instituições substituiu os modelos democráticos pela lógica empresarial”.
Propinas, financiamento, precariedade e modelo de gestão das instituições serão algumas das suas principais lutas. “O serviço público tornou-se um mercado onde o aumento da produtividade é o alfa & ómega da sua missão”, acusam no documento que assinala o lançamento do think tank.
Este grupo garante não ter nenhum alinhamento partidário, mas pelo seu manifesto entende-se o posicionamento ideológico à esquerda do espectro político. Dentro da equipa executiva estão, por exemplo, o dirigente dos Precários Inflexíveis, Daniel Carapau, e o antigo deputado do Bloco de Esquerda Luís Monteiro, que fez parte da Comissão de Educação e Ciência durante as últimas duas legislaturas. Hoje trabalha como investigador no Centro de Investigação Transdisciplinar "Cultura, Espaço e Memória” da Universidade do Porto, e é provavelmente a cara mais conhecida do grupo.
“Queremos que este seja um espaço de debate, mas também de acção”, sintetiza Monteiro, antecipando a vontade de o think tank se assumir de forma a passar a ter uma palavra a dizer nas discussões sobre o sector, como a revisão do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, actualmente em curso.
Na liderança do Universidade Comum, que ao todo junta cerca de 100 académicos, estudantes e funcionários das instituições de ensino superior e ciência, também têm ainda assento o neurocientista e comunicador de Ciência Rui Rodrigues, a investigadora Karina Shimizu, do Instituto Superior Técnico (Universidade de Lisboa), ou Joana Ricarte, professora auxiliar convidada na Universidade da Beira Interior e investigadora na Universidade de Coimbra.
Face à precariedade laboral existente, há vários casos de académicos cuja carreira tem de se dividir por mais do que uma instituição. “Em Portugal, as pessoas trabalham no que apanham”. “Muitas vezes, são prejudicadas em concursos por ‘falta de foco’, o que me parece uma grande piada, porque isto só acontece porque não há estabilidade para ninguém desenvolver um plano de carreira”, nota Joana Ricarte.
A primeira iniciativa pública do grupo acontece na próxima semana. Na terça-feira, num debate online, os membros do Universidade Comum discutem o financiamento do sistema de ensino superior e ciência, num momento em que o Governo tem em curso uma revisão do actual modelo, depois de, no final do ano passado, ter apresentado um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) sobre o tema.
Estas sessões digitais terão uma periodicidade mensal, entre Março e Maio. Os debates vão versar sobre o governo, a democracia e a gestão das instituições académicas; a precariedade no ensino e na investigação; e as missões da Universidade. Este ciclo culmina no primeiro encontro presencial, marcado para 3 de Junho, em Coimbra, subordinado ao tema “O Estado e o Futuro da Ciência.”
Actualização às 10h05: corrige a posição como docente de Joana Ricarte, professora auxiliar e não assistente.