A reconstrução da Ucrânia é outro combate: contra os números e contra o tempo

As estimativas variam entre 130 mil milhões e 950 mil milhões para recuperar o país. O PIB caiu mais de 30% revelou ontem Kiev. “Será a maior reconstrução desde a II Guerra Mundial.”

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O Teatro Drama, em Mariupol, é um dos muitos edifícios culturais total ou parcialmente destruídos pela guerra e que está à espera de reconstrução EPA/SERGEI ILNITSKY

Quanto custa reconstruir um país como a Ucrânia? A história dos países devastados pela guerra sugere que a resposta só pode ser dada daqui a muitos anos e o bom senso diz que é cedo para ensaiar contas. O que não significa que não se possa fazer estimativas. E há-as para todos os gostos.

O Presidente e o governo da Ucrânia atiraram um número astronómico para cima da mesa em Novembro de 2022: um bilião de dólares.

É um número difícil de traduzir. Em matemática, é o algarismo 1 seguido de 12 zeros. Se fossem um trilião de segundos, demorariam 31.700 anos a esgotar-se. Em euros, são quase 950 mil milhões de euros (ao câmbio actual). É cinco vezes mais do que o orçamento da União Europeia para 2023.

Mas, em Setembro do ano passado, as contas feitas por Kiev, Comissão Europeia e Banco Mundial apontavam para números mais baixos: 322 mil milhões de euros (quase dois orçamentos da UE).

E ontem mesmo, no dia em que passou um ano sobre o início da fatídica invasão russa, a Escola de Economia de Kiev (EEK) divulgou uma estimativa apontando que, à data de Dezembro de 2022, "o montante total de prejuízos documentados na infra-estrutura da Ucrânia devido à invasão ascendia a 130 mil milhões de euros (a preços actuais)".

Segundo a EEK, os prejuízos na habitação ascendem a 51 mil milhões de euros. Nos dez primeiros meses de guerra, foram destruídos ou afectados 150 mil edifícios residenciais. Na lista de prejuízos, incluem-se mais de 150 pontes, 3000 escolas, incluindo 865 do pré-escolar, 907 edifícios culturais, 168 instalações desportivas, 157 ligadas ao turismo e 95 de uso religioso.

Em 2023, a UE irá entregar 18 mil milhões de euros à Ucrânia. São empréstimos em condições especiais, ao ritmo de 1500 milhões ao mês. Em 2022, a UE entregara 6000 milhões de euros. A este ritmo, seria preciso 150 anos para pagar a estimativa mais dramática do Presidente Zelensky, de 950 mil milhões de euros para a reconstrução.

Num país que, antes da guerra, tinha 43 milhões de habitantes, a lista das perdas materiais confirmadas parece interminável: 64 grandes e médias empresas arrasadas; mais de 84 mil máquinas agrícolas perdidas; 3000 lojas dizimadas; 195 mil viaturas privadas e 14 mil de transporte público destruídas; 330 hospitais e quase 600 edifícios da administração pública parcial ou totalmente atingidos.

Neste cenário, as projecções só podem ser um combate de números, quando há demasiadas incógnitas e variáveis a impedir qualquer sentimento de segurança. Quanto tempo mais vai durar o conflito? Vai evoluir para uma guerra ainda mais destruidora? Ou eventuais combates vão poupar infra-estruturas, cidades, sectores económicos?

Mesmo contando com os activos russos apreendidos pelo mundo ocidental (que podem render entre 285 mil milhões e 475 mil milhões de euros), a Alemanha e a Comissão Europeia já levantaram a hipótese de ser necessário um "Plano Marshall para a Ucrânia".

PIB caiu 30%

Mais fácil do que estimar a despesa futura, é avaliar as perdas do primeiro ano da guerra na Ucrânia. As vidas perdidas em 2022 e já este ano não têm preço. Na economia, o PIB do país invadido pela Rússia caiu 30,4% no ano passado, disse ontem o ministério da Economia ucraniano, com base numa avaliação preliminar.

O Banco Mundial fez contas ainda piores: a quebra terá sido de 35%. A inflação acabou o ano em torno dos 26%. As finanças públicas estão naturalmente pelas ruas da amargura. Alguns estrangeiros detentores de dívida soberana aceitaram congelar o pagamento por dois anos, reconhecendo a pressão financeira do país.

Zelensky pediu aos americanos da BlackRock, o maior gestor de activos do mundo, que constituísse um fundo para a reconstrução do país. Muito do dinheiro doado até agora financiou o país em termos militares. Os EUA, por exemplo, entregaram 44 mil milhões de euros para fins militares, 25 mil milhões em ajuda financeira e 3700 milhões em ajuda humanitária, diz o Council for Foreing Relations. No total: 73 mil milhões de euros. A este ritmo, se fosse tudo para construção, seria preciso 14 anos para pagar a factura estimada por Zelensky.

Se a reconstrução começasse agora – e até nisso há muito desacordo –, será uma tarefa para muitos anos. A reconstrução é, pois, um combate em si mesmo, de números e de tempo.

Os ucranianos mostram que não querem esperar. As reportagens enviadas a partir do país para o resto do mundo descrevem amiúde uma reconstrução em curso. "Vai ser a maior reconstrução desde a II Guerra Mundial", disse a vice-primeira-ministra Iulia Sviridenko, numa entrevista ao jornal Politico​. Outros dirigentes europeus e mundiais aconselham esperar. Até porque só mesmo os governos, como o da Polónia, aceita investir na recuperação de activos sem cobertura de seguros – o que é outro problema nesta equação.

Porém, Sviridenko diz o que vai na mente de muitos dos que sofrem directamente com a destruição do país: "Temos de comer já."

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