"Uma esmagadora maioria" dos portugueses compra espumante para consumir em momentos de celebração, 90,9 por cento, para sermos exactos. E isso é algo que o sector já sabia empiricamente. Mas agora há um estudo que vem confirmar essa predisposição ancorada numa tradição cultural de deixar certos vinhos para os aniversários ou para as festas mais importantes do ano, se não mesmo para a celebração de fim do ano.
O Centro de Estudos Transdisciplinares de Desenvolvimento (CETRAD) da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) estudou o Perfil do Consumidor Português de Espumante e apresentou, esta quinta-feira, os primeiros resultados, em Lamego. Trata-se de um estudo nacional, apesar de ter sido encomendado pela Comissão Vitivinícola Regional de Távora-Varosa, e, embora a sua principal conclusão não surpreenda a maioria, "indicia já novas formas de aquisição, para consumir noutras ocasiões que não as habituais", conforme sublinhou Lina Lourenço-Gomes, investigadora que assina o estudo com João Rebelo e Tânia Gonçalves.
Uma das conclusões mais curiosas revela uma vontade de comprar espumante em vasilhames mais apropriados ao consumo individual ou por duas pessoas, incluindo os chamados formatos ready-to-drink: 32,8 por cento dos inquiridos afirmaram que, "se o espumante estivesse disponível em latas individuais, passaria a consumir mais", enquanto 62,1 por cento consideram "que o espumante poderia ter uma nova rolha, mais fácil de abrir" e que permitisse "voltar a fechar a garrafa" (a propósito, colocá-la no frigorífico com uma colher de metal dentro para preservar as bolhas é, pura e simplesmente, mito; o efeito é nulo).
Questionados acerca dos momentos em que consideram ser prazeroso beber espumante, 92,8 por cento dos inquiridos elegeram o brunch de domingo, 47,6 por cento dos inquiridos a "happy hour com amigos", depois de um dia de trabalho, para descontrair — algo que já começa a ver-se, por exemplo, em Londres, destino obrigatório para quem gosta de vinho (de o beber, de provar coisas diferentes e de estar a par das últimas tendências, entenda-se) — e 40,6 por cento momentos "à beira da piscina".
Metade (50,9 por cento) reportaram não consumir espumante fora de casa porque não lhes ser apresentado um menu de espumantes quando saíam e 49,1 por cento especificaram que num bar ou discoteca, na companhia de amigos, equacionariam beber espumante, se este estivesse disponível.
"Chegar ao público mais jovem implica encontrar soluções inovadoras e disponibilizar o produto nos locais que os jovens frequentam mais", sugeriu, no final da apresentação e em jeito de conclusão, Lina Lourenço-Gomes.
Já bebemos mais espumante às refeições
Voltando ao início e ao porquê de os portugueses comprarem espumante, a seguir às celebrações, aparecem as festas, o que cai mais ou menos na mesma motivação: 77,1 por cento afirmou comprar vinho espumante para beber em festas. Algo surpreendente é que 33,6 por cento já comprem espumante para o beber às refeições (25,5 por cento afirmam mesmo já estar "a substituir o vinho, sobretudo branco, por espumante para acompanhar certas refeições"). Em quarto, aparece a oferta: 28,5 por cento compra espumante para oferecer.
Os investigadores perguntaram pelo motivo da compra e depois pelo momento em que de facto as pessoas consumiam este vinho. E a maioria dos inquiridos disse beber espumante "depois das refeições": 59 por cento. Mas uns impressionantes 54 por cento já afirmaram beber espumante à refeição; 32 por cento bebem espumante "como aperitivo" e 45 por cento em cocktails.
Quanto à frequência do consumo, 36,9 por cento bebe espumante "cinco a dez vezes por ano", não chega a uma vez por mês. E 30,6 por cento afirmam fazê-lo "duas a quatro vezes por ano". Apenas 2,4 por cento consomem espumante mais do que uma vez por semana.
Com o intuito de perceber o quão valioso seria puxar pelo método de produção nos rótulos dos nossos espumantes, a UTAD também tentou perceber o que sabem os consumidores de espumante sobre a matéria: 71,6 por cento afirmaram conhecer o método clássico, 16,4 por cento disseram saber o que é o método Charmat e 26,9 por cento estão às escuras, não sabem como é feito este vinho. Quanto à garrafa, as preferências distribuem-se por quatro formatos mostrados aos inquiridos, não havendo daí grande conclusão a retirar.
O local de compra preferencial são os supermercados e hipermercados, onde 82 por cento afirmaram comprar espumante. Seguem-se as garrafeiras (15 por cento), a compra directa ao produtor (2 por cento) e a Internet (apenas 1 por cento). "As compras hirtamente ao produtor e pela Internet são praticamente inexistentes. Há um caminho para as empresas poderem explorar outros canais de distribuição, nomeadamente [a venda] online", conclui Lina Lourenço-Gomes. "A venda online de vinho teve um boom durante a pandemia, mas entretanto decaiu", acrescentou João Rebelo, que coordenou cientificamente o estudo e é vice-presidente da European Association of Wine Economists (EuAWE).
Primeiro Bairrada, depois Champagne
Por esta ordem. As regiões de origem preferidas são a Bairrada (33,3 por cento), Champagne (23,9 por cento), Távora-Varosa (11,6 por cento) e Douro (11 por cento). Quanto aos factores mais importantes para a compra, a primeira coisa em que a generalidade dos consumidores pensa ainda é a doçura (se o espumante é seco, meio-seco ou bruto), depois vem o preço, a harmonização com refeições e a cor. Numa lista de dez razões para comprar espumante, o país produtor aparece em sétimo, a sustentabilidade em oitavo e a marca quase no final, em nono. O teor alcoólico é a razão que menos importa aos inquiridos neste estudo, na hora de comprar o vinho.
Mais de metade dos inquiridos (55,5 por cento) considera que o espumante português tão bom como aquele que é feito noutros países, incluindo os maiores produtores mundiais de espumante, Itália e França, por esta ordem. E há mesmo 34,8 por cento que afirmam que o nosso é melhor do que o desses países. Isto apesar de na hora de escolher uma garrafa na prateleira uma fatia considerável não ligar sequer à região onde o vinho foi produzido: 20,6 por cento. Procuram pela Bairrada nos rótulos 35,4 por cento e a inscrição Champagne convence 15,4 por cento, quase tantos como os que compram se lá lerem Távora-Varosa, 14,5 por cento.
Quanto estão dispostos a pagar por uma garrafa? Em média, 18,5 euros. "Mas esse é um valor influenciado por um valor mínimo de 2 euros e um valor máximo de 500 euros, que alguém reportou", notou Lina Lourenço-Gomes. Será mais avisado considerar então os intervalos de preço que conquistaram mais respostas: 34 por cento está disposto a pagar entre 7 e 9,99 euros por um espumante e 32,6 por cento só desembolsa entre 4 e 6,99 euros.
Resumindo, quem é afinal (ou devia ser) o público-alvo dos produtores de espumante, de acordo com o perfil a que chegaram os investigadores da UTAD? "As pessoas com rendimento superior, residentes em zonas urbanas, com responsabilidade para com o espumante — ou seja, os consumidores que compram —, aqueles que consomem vinho tinto, aqueles que compram para oferecer, os que dão importância à marca, à região [de origem], a prémios e medalhas, à categoria, à classificação [doçura], ao modo de produção e/ou a certificações biológicas são os que estão dispostos a pagar mais por uma garrafa", sintetizou Lina Lourenço-Gomes.
Comunicar terroirs e explorar enoturismo
E que estratégias devem seguir os produtores e as regiões de espumante? Sem descurar a crítica (que traz os prémios e medalhas), o caminho, dizem os investigadores, terá de ser de diferenciação assente na reputação colectiva ("região, região, região", como apontou João Rebelo), de uma maior aposta nos consumidores com mais poder de compra e que vivem nas cidades e de procura de novos canais de venda, com especial atenção à oportunidade do online e ao enoturismo.
Neste particular, Távora-Varosa está já a seguir o conselho, com o presidente da CVR, José Pereira, a anunciar que está em estudo agora a criação de uma rota. "Precisamos de perceber qual é o modelo de governação e como é que a vamos implementar, de forma a trazer gente para a região", disse o responsável, no final da apresentação do estudo, e à margem da assinatura de dois protocolos de colaboração, um com a UTAD e outro com a Escola de Hotelaria e Turismo do Douro-Lamego.
De acordo com a equipa do CETRAD, este será o primeiro estudo mais completo sobre o perfil do consumidor de espumante em Portugal. Foram inquiridos 800 indivíduos no último mês de Setembro, uma amostra que os investigadores dizem ser representativa dos consumidores portugueses de espumante, e os inquéritos foram conduzidos pela empresa Netsonda.
As primeiras conclusões, da tendência para consumir vinho em lata à valorização das regiões e dos seus terroirs, estão em linha com o que revelam estudos internacionais, comentou, ao Terroir, João Rebelo, revelando que nos próximos três meses os investigadores vão aprofundar o estudo das determinantes da disposição a pagar por uma garrafa de espumante, recorrendo a "modelos econométricos e a machine learning". O objectivo é "determinar segmentos de consumidores onde deve apostar a promoção" e esses nichos serão apresentados no final de Maio, na Grécia, numa conferência da EuAWE, avançou.