A humanização da medicina: o foco deve ser o doente
Apesar dos maravilhosos avanços da medicina, sem empatia ou compaixão, é difícil tratar bem os nossos doentes. Neste sábado assinala-se o Dia Mundial do Doente.
Começo este texto com um magnífico pensamento de João Lobo Antunes: “Não sei o que nos espera, mas sei o que me preocupa: é que a medicina, empolgada pela ciência, seduzida pela tecnologia e atordoada pela burocracia, apague a sua face humana e ignore a individualidade única de cada pessoa que sofre, pois embora se inventem cada vez mais modos de tratar, não se descobriu ainda a forma de aliviar o sofrimento sem empatia ou compaixão.”
Este pensamento marcou-me desde a primeira vez que o li. A verdade é que, apesar dos maravilhosos avanços da medicina, sem empatia ou compaixão, é difícil tratar bem os nossos doentes.
Como médico, sinto que as obrigações tecnológicas e as burocracias associadas à nossa atividade, dificultam juntar os ingredientes para uma boa consulta:
- empatia/compaixão;
- saber ouvir o doente;
- conhecimento atualizado;
- rigor na história clínica e exame objetivo;
- qualidade nos registos clínicos;
- bom senso clínico;
- colocar as hipóteses adequadas de diagnóstico;
- ter tempo para explicar cuidadosamente os detalhes da consulta ao paciente.
Todos estes ingredientes têm como principal objetivo tratar da melhor forma o nosso doente.
Mas de que serve ter os registos clínicos muito elaborados no sistema informático, se nem conseguimos olhar para o doente, se nem conhecemos adequadamente quem veio à nossa consulta? Acredito que foi nesse sentido que há 31 anos, o Papa João Paulo II instituiu o Dia Mundial do Doente, com o propósito de sensibilizar os profissionais de saúde para a importância de apoiar os doentes, atendendo a todas as suas necessidades, com base numa medicina humanizada.
E o que é a medicina humanizada? É uma abordagem centrada no doente que valoriza as suas necessidades, emoções e experiências, com o objetivo de estabelecer uma relação de confiança e empatia entre o médico e o doente, de forma a oferecer uma experiência positiva, personalizada e com melhores resultados em saúde.
A prática de uma medicina humanizada deve ser uma preocupação permanente do profissional de saúde, esforçando-se diariamente por consolidar a relação médico/doente, utilizando a premissa de que antes de conhecer a doença, interessa conhecer o doente. Para que este processo decorra com harmonia é necessário um fator fundamental: tempo, que hoje é um bem cada vez mais escasso.
Os crescimentos abruptos do avanço tecnológico na medicina marcaram, e continuam a marcar, positivamente a prática médica em termos de diagnóstico — maior precisão e rapidez — e de terapêutica!
No entanto, por mais avanços que existam, o essencial da prática clínica tem que ser o doente: ouvi-lo verdadeiramente. A tecnologia e a burocracia não podem ofuscar o que é a verdadeira prioridade, mas sim potenciar a prática médica.
Além disso, é fundamental que toda a equipa que interage na jornada de saúde do doente procure esta humanização na relação, e não exclusivamente a equipa médica. Importa que o doente possa sentir esta filosofia em todo o percurso: desde o call-center, ao segurança do edifício, à rececionista, ao pessoal administrativo, à auxiliar de ação médica, à equipa de enfermagem e, por fim, ao médico: acredito no potencial de todos os profissionais envolvidos no sistema de saúde.
Com efeito, todas as pessoas que contactam com o doente durante o processo podem contribuir para uma medicina (mais) humanizada. Coisas simples como:
- escutar ativamente o doente;
- compreender as preocupações e medos;
- entender as suas necessidades;
- sermos honestos e compreensivos;
- personalizar a abordagem ;
- envolver ativamente o doente na decisão, de forma a que exista uma validação informada sobre o tratamento;
- disponibilizar suporte emocional — empatia e compaixão — podem contribuir de forma significativa para melhorar a experiência dos nossos doentes.
O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990