Profissão: professor

Quando dá aulas nos primeiros anos de escolaridade, um professor marca pelo que ensina, mas também por quem é. Ou seja, dentro de um professor há sempre uma pessoa.

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"Há que saber ouvir as crianças, com disponibilidade, sensibilidade e empatia" Adriano Miranda/Arquivo

Recordo com emoção o encontro com o pai de um aluno da primeira turma que acompanhei do 1.º ao 4.º ano. Quando lhe perguntei pelo filho, decidiu ligar-lhe para saber se ainda se recordava de mim. A resposta foi inequívoca: “Podemos não nos lembrar dos outros professores, mas há um de quem nunca nos esquecemos: é do nosso professor do 1.º ciclo!” Esta afirmação comoveu-me pela sua afetividade, mas também me leva a pensar na grande responsabilidade que é ser professor de uma criança durante os seus primeiros quatro anos de escolaridade, em regime de monodocência.

Esta responsabilidade é inequívoca na medida em que, ao longo destes anos tão importantes no desenvolvimento infantil, o professor do 1.º ciclo não só ensina os saberes estruturais que estão na base de todas as outras aprendizagens, como também está com os alunos durante muito tempo, passando com eles a maior parte do dia. Por esses motivos, um professor do 1.º ciclo é marcante: influencia para o melhor, mas também poderá marcar negativamente um aluno para o resto da sua vida. E essa influência não se deve apenas àquilo que o professor é como profissional, mas também – e não menos importante − a quem é como pessoa.

Nesta linha, para ser professor, é essencial ser competente na sua área científica que, no caso do 1.º ciclo, é de âmbito generalista. Também é necessário ter um saber sólido e abrangente de pedagogia, no sentido de optar pelas correntes pedagógicas que favorecem a aprendizagem da criança. Depois, é fundamental dominar as didáticas que concretizam a pedagogia escolhida, conhecendo os diversos passos para construir os conhecimentos e os materiais que lhes servem de suporte.

O amor pela cultura também é muito importante para a qualidade de um professor. Não é suficiente recomendar aos alunos que leiam se o próprio professor não gostar de ler nem se der como modelo de leitor. E o mesmo é válido para as outras áreas culturais, como a pintura, o cinema, o teatro ou as visitas a museus e exposições. Um professor precisa de ter mundo para que possa dá-lo a conhecer e, sobretudo, para que possa fazê-lo de forma entusiasta, contagiante e mobilizadora.

No entanto, um professor, por melhor que seja, não pode ficar parado no tempo. Tem de se adaptar à mudança e continuar a revelar curiosidade pela evolução do conhecimento ao longo da sua vida. A reflexividade e a capacidade de trabalhar em equipa com os seus colegas, partilhando experiências e refletindo sobre as mesmas, também são fundamentais para a evolução profissional de um professor.

Mas se tudo isto é muito importante, não basta para fazer de um professor um bom professor. Quem não se recorda daqueles professores que sabiam imenso da sua área científica e tinham uma vasta cultura, mas não conseguiam comunicar e relacionar-se com os alunos? É que, sem comunicação nem relação, o saber não se transmite. Assim, um professor será tão ou mais cativante para os seus alunos se for um bom comunicador, que naturalmente prenda a atenção das crianças. E isso é ainda mais relevante quanto mais novas são as crianças.

Contudo, sobretudo quando dá aulas nos primeiros anos de escolaridade, um professor marca pelo que ensina, mas também por quem é. Ou seja, dentro de um professor há sempre uma pessoa e essa pessoa que há dentro do professor é tão ou mais marcante do que o profissional. Numa profissão assente na relação humana, os valores que norteiam a ação do professor, o seu equilíbrio, o bom senso e o sentido de justiça são essenciais para que os alunos se sintam seguros e tranquilos. Um professor capaz de estabelecer uma vinculação profunda constitui um modelo para os seus alunos, e estes aprendem mais com as suas ações do que com as palavras, sendo fundamental a congruência e coerência entre ambas.

Mas também há que saber ouvir as crianças, com disponibilidade, sensibilidade e empatia, no sentido de valorizar a identidade de cada uma delas e de as ajudar a desenvolver o seu potencial, tirando partido dos seus talentos e apoiando-as no sentido de colmatarem as suas fragilidades. Para ultrapassar estas últimas, existem duas qualidades fundamentais no exercício da profissão: uma, é a paciência, essencial no quotidiano escolar; e outra, a capacidade de ter um olhar benigno, determinante para ver sempre o copo meio cheio, evitando catalogar os seus alunos com rótulos que facilmente se colam às crianças como uma segunda pele.

A esperança, que faz parte inequívoca desta equação, é tanto maior quanto o professor se deixar contagiar com a capacidade de acreditar e de se encantar própria da infância. Para tal, tem de ousar surpreender-se, no momento certo, com os sonhos e expetativas das crianças, permitindo-se uma aproximação à imaginação e ao assombro, à liberdade e ao deslumbramento.

Mas, em contrapartida, há que ser assertivo e saber manter a ordem na turma, revelando a autoridade necessária para que as atividades escolares decorram com tranquilidade, sem cair no autoritarismo. Para se sentirem seguras, as crianças necessitam de limites claros e de uma estrutura consistente e previsível que as ajude a regularem-se, percebendo o que se espera delas e até onde podem ir.

O nível de desenvolvimento pessoal do professor também poderá assinalar a diferença, nomeadamente o seu nível de autoconhecimento. Há alunos que, pelas suas caraterísticas, podem tocar em pontos vulneráveis do próprio professor, aumentando a sua reatividade aos seus comportamentos. Quanto melhor o professor se conhecer e maior for a sua maturidade pessoal, maior será a sua capacidade para não se deixar atingir pessoalmente por determinadas atitudes e situações.

Porém, como todas as pessoas, também o professor é humano e, como todos os seres humanos, é necessariamente imperfeito, com os seus pontos fortes e também com as suas circunstâncias e limitações. O que vale é que as crianças não precisam de professores perfeitos, mas sim de professores humanos que as conquistem, com a sua humanidade, estabelecendo com cada uma delas uma relação privilegiada, apesar de necessariamente imperfeita, como todas as relações que se pautam pela autenticidade.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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