Exposição
A indústria da moda e o custo para o ambiente em retratos sobre a “fragilidade do planeta”
Os retratos da australiana Vee Speers, em exposição a partir de 27 de Janeiro na galeria In The Pink, em Loulé, alertam para "a fragilidade do nosso planeta" e desafiam o espectador a questionar "o que significa ser humano" no presente cenário social e ambiental.
Em 2018, a fotógrafa Vee Speers foi convidada pelo Victoria & Albert Museum, em Londres, para desenvolver uma série que reflectisse o impacto da indústria da moda sobre o meio ambiente. Assim nasceu Fashioned From Nature, que contém imagens que revelam um diálogo simbólico entre a figura humana e os elementos naturais sobre os quais essa mesma indústria exerce pressão. Uma das imagens dessa série, que pode ser observada nesta fotogaleria, exibe uma figura feminina num longo traje "invadido" por uma planta trepadeira; sobre a cabeça da retratada, um crânio de um equídeo cobre metade do rosto. Um indício de morte?
Essa fotografia em particular pertence à série que dá nome à exposição, que é composta por 32 obras. "As equipas de design e publicidade do museu viram o meu trabalho Dystopia e pediram-me que criasse imagens que fossem igualmente estilizadas, mas que reflectissem o impacto da moda sobre a natureza", explica a australiana que reside, há décadas, na capital francesa. Pediram-lhe também que, através das fotografias, incluísse indícios "da forma como a moda evoluiu para se tornar mais sustentável".
"Sabemos que, historicamente, o impacto [da indústria de produção de vestuário] tem sido catastrófico para o meio ambiente, mas hoje cada vez mais designers se inclinam no sentido de uma produção mais ética e sustentável de tecidos e de roupas", comenta. Para Vee, o panorama está em mudança. "Eu preocupo-me com este tema, evidentemente, e espero poder, no futuro, desenvolver projectos que consciencializem cada vez mais [para o problema] e que produzam acção [positiva]."
Quase todo o trabalho que a australiana Vee Speers desenvolveu ao longo das últimas décadas é composto retratos. A exposição retrospectiva do seu trabalho, patente na galeria de fotografia de arte In The Pink, em Loulé, a partir do dia 27 de Janeiro, confirma-o. "Eu utilizo materiais em bruto, como corais, esqueletos, plantas, penas — ou, por vezes, faço referência aos elementos terra, vento, fogo e água — para construir um cenário dramático que dá reforça a ideia de fragilidade do nosso planeta", conta ao P3, em entrevista.
A fotografia que realizou para a série Bulletproof, que retrata uma criança com uma cria de cervo em torno do pescoço e um bumerangue na mão, é um exemplo dessa ligação que pretende criar. A imagem justapõe a inocência de dois seres — um deles no topo da cadeia alimentar — e sugere que todas as acções são devolvidas; uma alusão às alterações climáticas? "Sempre me inspirei na combinação de elementos orgânicos nos meus retratos porque, enquanto humanos, estamos inevitavelmente ligados à natureza e ao planeta", afirma.
Vee Spears faz questão de sublinhar que não é fotógrafa de moda. As séries que desenvolveu ao longo das duas últimas décadas "atravessam a linha entre a realidade e a fantasia, a beleza e a fealdade ou, em última análise, a vida e a morte", descreve a galeria de fotografia, em comunicado dirigido ao P3. Integram a exposição as séries Phoenix, de 2020, Dystopia, de 2017, Botanica, de 2016, Bulletproof, de 2013, Birthday Party, de 2007. Na série Phoenix, explica a australiana, a mulher retratada "simboliza da entidade feminina Gaia, que representa a Mãe Terra"; as imagens "representam o espírito feminino de renascença e renovação". "Phoenix celebra o empoderamento, a determinação e a esperança no futuro do planeta", sumariza.
A série Dystopia retrata "um mundo que se tornou perturbado", lê-se no site de Speers. Botanica é um conjunto de "retratos de flores" feitos a preto-e-branco coloridos à mão e simboliza "os momentos de solidão pacífica num mundo cada vez mais complexo". Os projectos Bulletproof e Birthday Party estão ligados pelos mesmos intervenientes, que são retratados com seis anos de intervalo. Ambas reflectem as mudanças ocorridas nos corpos de cada um, exploram o seu sentido de identidade e "invencibilidade".
Vee Speers, hoje com 61 anos, conta que nunca se cansará de fotografar pessoas. "Porque cada uma é diferente e única", justifica. "Por isso, cada fotografia é sempre diferente." O seu trabalho já esteve exposto em museus, feiras de arte e festivais de cinco continentes e as suas obras pertencem a colecções internacionais públicas e privadas de galerias e coleccionadores de todo o mundo, mas não pretende parar de fotografar num futuro próximo. O seu objectivo não é "simplesmente criar retratos bonitos", mas sim "captar emoções que são autênticas e credíveis no seio de uma narrativa, de forma a criar impacto numa audiência". "O retrato desafia-me a puxar os limites dos conceitos, activando a resposta do espectador enquanto testemunha do que significa ser humano."