Pais, continuem a adorar-nos!

Quando surge o maior desafio da nossa vida queremos ser bons pais para os nossos filhos mas, na verdade, também queremos mostrar que somos bons pais aos nossos pais.

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@designer.sandraf

Querida Mãe,

Sei que somos adultos. Sei que já não é preciso acordar-nos de manhã e convencer-nos a comer os cereais. Sei que já não precisamos de boleia para a escola nem precisamos (na maior parte do tempo) de dinheiro para ir ao cinema. Mas mãe, continuamos a querer apenas que nos adorem e admirem.

De facto é difícil crescer, não é? Porque nos primeiros anos de vida somos tão adorados, tão admirados… Tudo o que fazemos, incluindo os nossos erros, são “incríveis”, dignos de vídeos e fotografias. Mas, à medida que vamos mostrando mais da nossa personalidade - diferente da dos nossos pais -, vamos desiludindo progressivamente.

Isto não acaba aos 6 nem aos 7 e é por isso que, suspeito, tantos recém-pais se vêem em conflitos com os recém-avós.

É que quando surge o maior desafio da nossa vida queremos ser bons pais para os nossos filhos mas, na verdade, também queremos mostrar que somos bons pais aos nossos pais. Queremos, como sempre, que se orgulhem de nós. Que nos validem. Mesmo na nossa rebeldia, queremos a vossa aprovação. Talvez seja por isso que dói tanto cada vez que nos mandam uma boca a questionar o que fizemos.

Por isso, avós: Por vezes lembrem-se que só queremos que nos adorem. Que olhem para o nosso esforço, e para as nossas conquistas, e não só para os nossos erros. Pode ser?

Beijinhos

Ana


Querida Ana,

Tens razão! Mas esqueceste-te que nós também ainda procuramos tudo isso? Sim, exigimos isso dos nossos pais (que muitas vezes já não estão nesta terra) mas também precisamos disso dos nossos filhos.

Sejamos sinceros, procuramos um reconhecimento por tudo o que demos - e não, não digo uma retribuição, mas um reconhecimento. Procuramos uma validação do que fizemos convosco. Talvez seja por isso que dói tanto quando fazem uma cara de desprezo perante uma memória que contamos. Por isso é que é tão irritante quando destroem os pequenos conselhos que guardámos tão preciosamente para um dia vos passar.

Nós também precisamos que olhem para tudo o que conquistámos e ultrapassámos. E, de certa forma, esperamos que superem a fase adolescente de nos criticar ou julgar por tudo o que não fizemos, ou fizemos mal. (Como já disse ao teu irmão, as queixas dos filhos devem prescrever passados dez anos! Se tudo o resto prescreve não vejo porque uma mãe de um filho de 30 anos tenha de continuar a levar com uma queixa sobre como nunca havia cereais de marca lá em casa…)

E nós também sofremos quando sentimos, à medida que vocês crescem, que deixamos de ser os vossos heróis. Também nos sentimos constantemente a desiludir e a perder o nosso lugar. Talvez tenha de ser assim, para que possamos, fazer cada um o seu caminho.

Por isso sim, pode ser! Que seja recíproco: vamos focar-nos em tudo o que fazemos bem, sem a ânsia de tentar corrigir tudo aquilo que poderíamos fazer (ou ter feito) de forma diferente.

Beijinhos

Mãe


O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam.

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