Retalho em recessão: como é possível?
Cortar num momento de recessão terá forçosamente de estar associado a um movimento de investimento das poupanças conseguidas na melhoria da nossa gama de produtos.
É muito comum, quando vemos o último episódio disponível de uma série que nos tem prendido ao ecrã, passarmos dias, semanas ou meses a pensar no que vai acontecer na temporada seguinte. Já todos temos uma ideia, ou fomos “escrevendo” só para nós, o que será o guião dos próximos episódios e como a história se desenrolará até ao final que secretamente esperamos que se verifique. Mas, nesse caso, só nos resta mesmo esperar para ver.
Nos dias de hoje, vamos ouvindo falar sobre um cenário de recessão económica e vamos lendo alguns (mais corajosos) cronistas ou jornalistas escreverem sobre o mesmo. Mas, tal como quando estamos à espera do próximo episódio da nossa série favorita, estamos todos a aguardar que alguém oficialmente nos alerte para o início de uma recessão. A principal diferença entre estas duas esperas, é que (infelizmente) uma recessão não é novidade para nós e podemos pensar sobre ela, prepararmo-nos para ela e sobreviver-lhe, até talvez mais fortes do que quando ela começar.
Em retalho (especificamente na moda), passar por uma recessão pode ser particularmente difícil tendo em conta que fenómenos como a inflação generalizada, o aumento do desemprego, o crescimento salarial muito abaixo da taxa de inflação e a insatisfação/convulsão social têm impacto direto sobre padrões de consumo, alterando prioridades e capacidade disponível para comprar a uma velocidade extremamente rápida e penalizadora para bens não essenciais como o vestuário, calçado ou acessórios.
Se é verdade que podemos ter em conta alguns exemplos do que aconteceu entre 2008 e 2012 para definir planos de contingência, também é verdade que os modelos de negócio se alteraram significativamente, especialmente nestes últimos três anos.
Atualmente, temos de ter em conta a relevância do e-commerce, do volume de negócios transfronteiriço, dos novos tipos de consumidor (nómadas digitais, novos residentes e novos fluxos turísticos), da importância dos marketplace online e dos canais de comunicação mais utilizados, entre outros fatores. Todavia, se nos focarmos nos fatores históricos essenciais e no que move o nosso cliente, podemos (e devemos) estar preparados para enfrentar qualquer recessão com confiança.
Obviamente, este é um tema sensível e que poderá suscitar opiniões bastante díspares, mas é a eventual existência dessa discussão e troca de ideias que motiva esta partilha de opinião, afinal isso só significará que existiu uma reação e, dessa forma, um interesse.
Assim sendo, como poderá o retalho de moda enfrentar uma recessão? Em quatro vias: atitude, experiência, comunicação e investimento.
Como em qualquer situação do nosso dia-a-dia em que somos confrontados com um desafio, seja em contexto familiar, social ou profissional, a forma como reagimos e a nossa atitude perante o problema e/ou a solução tem um impacto decisivo na resolução do problema e na perceção que o(s) interlocutor(es) terá sobre nós e a nossa proposta. Da mesma forma, perante uma recessão é de extrema importância que o retalhista, ou a marca, reforce a importância do seu “porquê?”, da sua missão e que procure responder à pergunta: “O que posso eu fazer para realçar os fatores que me distinguem dos restantes, para que o consumidor me escolha a mim?”.
Além disso, é importante que se coloque do lado do cliente e que, ao mesmo tempo, procure identificar o que tem feito os consumidores escolherem a sua marca em detrimento das restantes para que se foque nesses mesmos fatores.
Entretanto, se numa altura normal a forma como somos recebidos, a diligência com que são resolvidos os nossos problemas, a simplicidade com que recebemos ou devolvemos uma compra online, a rapidez com que (digital ou presencialmente) obtemos resposta a dúvidas ou a facilidade com que encontramos o que procuramos nos pode distinguir dos restantes, numa altura de crise pode ser esse o fator que nos ajuda a atrair, satisfazer e fidelizar os consumidores. Devemos, portanto, resistir ao impulso inicial de cortes transversais e dedicar algum tempo a identificar quem são aqueles que fazem com que a experiência de um cliente na nossa plataforma ou loja seja diferenciadora e suficientemente positiva para que nos seja fiel em momentos mais complicados.
No que toca a impulsos, é sabedoria popular que o marketing e comunicação será sempre um dos primeiros lugares a sentir a avalanche de cortes impulsionada por uma recessão e, numa era essencialmente digital, é natural que uma redução acentuada da conversão induza a maior parte das empresas nesse sentido ao mesmo tempo que reduz o investimento em Marketing Digital. Ora, se pensarmos numa altura de recessão como o momento em que nos devemos focar em comunicar a nossa missão e a resposta aos nossos “porquês”, por forma a melhorar a nossa proposta de valor, este é o momento certo para “comprar” impressões e cliques muito mais baratos, aumentando muito o nosso potencial de geração de novos clientes (leads) e assumindo que o nosso foco em responder aos pontos anteriores nos ajudará a garantir fidelização e crescimento.
Por fim, recessão será, para muitos, sinónimo de corte, redução ou retrocesso (incluindo para o dicionário de Língua Portuguesa) e é sem dúvida o momento em que devemos identificar produtos com baixa rotação, pontos/canais de venda com piores resultados, categorias de produto “dispensáveis” ou canais de comunicação com retorno historicamente baixo e, citando um controverso shark americano Kevin O’Leary, “Take it behind the barn and shoot it!”.
Mas, cortar num momento de recessão terá forçosamente de estar associado a um movimento de investimento das poupanças conseguidas na melhoria da nossa gama de produtos com elevada rotação, retorno e procura, em novos pontos de venda estrategicamente localizados em áreas que possam ter passado a ser interessantes como resultado de todas estas alterações e em campanhas de brand awareness junto de novos potenciais clientes.
Haverá certamente muitas mais ações necessárias para ter sucesso na resposta a uma recessão, mas o principal será começar a pensar em algumas delas com antecedência e agir com a convicção de que retalho em recessão é possível, desde que sejamos nós a escrever o guião do nosso próximo episódio.
O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990