Fizeram-me ghosting. Porquê? E como lidar?
Era uma relação, até que a outra pessoa simplesmente desapareceu, sem dar explicações. Fui vítima de ghosting. E agora?
Não percebemos porque acontece e não sabemos como lidar quando alguém simplesmente desaparece de um relacionamento, sem dar satisfações. Chama-se ghosting e é responsável por muitas crises de auto-estima e confiança. Filipa Jardim da Silva, psicóloga clínica, CEO e directora da Academia Transformar, dá dicas para lidar com a situação — e entendê-la melhor.
O que é o ghosting?
É o “término de uma relação por via do desaparecimento, sem um reconhecimento oficial de que a relação acabou”. Normalmente, uma pessoa deixa de responder às mensagens, de atender telefonemas e desaparece da vida da outra pessoa.
Em que tipo de relacionamentos acontece com mais frequência?
Normalmente acontece com “relações que estão assentes no digital”: entre pessoas que, não só se conheceram online, mas mantêm grande parte da relação virtualmente.
Outro factor comum, acredita a psicóloga, é a faixa etária: “A geração dos 20 e 30 anos, e um pouco nos 40, encara as opções amorosas com menos compromisso e dedicação.”
Nas faixas etárias mais velhas, este tipo de comportamento pode acontecer, por exemplo, em segundas relações: “Pessoas que têm relações principais assumidas e que criam perfis adulterados no mundo virtual"; ou que "têm trabalhos que as obrigam a deslocarem-se geograficamente e acabam por criar narrativas de vida adulteradas e constroem novas histórias românticas, mas sabem que terão um fecho precoce — e acabam por fazê-lo de forma algo descartável”.
Há um perfil de pessoas mais propensas a fazerem ghosting?
Há “um marcador transversal” nas pessoas que têm este comportamento: “Um défice de competências emocionais e pessoais”, refere Filipa Jardim da Silva. São, normalmente, pessoas que têm “dificuldade em contactarem com as suas emoções”, que “não se conhecem suficientemente, receiam e evitam lidar com tudo o que lhes é desconfortável”.
Essa falta de competências pode estar relacionada com experiências de vida traumáticas ou com a parentalidade, por exemplo. “E isso depois traduz-se na falta de inteligência emocional, empatia, preocupação e respeito para com o outro, e em comportamentos mais reactivos, impulsivos e desprendidos de compromisso com as outras pessoas.”
Porque temos tanta dificuldade em lidar com o ghosting?
É um comportamento que provoca uma sensação de confusão e “até choque”. É “um golpe na nossa confiança”. Normalmente, começa pela negação — “pensamos que aconteceu algo de grave à outra pessoa”.
Depois, quando entendemos o que aconteceu, que a outra pessoa “simplesmente decidiu terminar o relacionamento de forma cobarde e algo injusta”, gera-se uma “sensação de confusão”: “Como é que isto aconteceu? Porquê a mim? Como não vi isto?” Estes sentimentos podem evoluir para “zanga, injustiça e mágoa”, sendo que se avizinha um “luto mais complexo de se fazer”. Muitas vezes, as vítimas acabam por ficar num “luto patológico”, com muita dificuldade em ultrapassar, o que se traduz em “isolamento, desconfiança, revolta e até ataques pessoais: pensamentos como 'Devo ter feito algo errado ou ter características de personalidade que facilitaram isto'”.
O ghosting provoca “golpes na nossa auto-estima que são muito nefastos”, uma vez que não há espaço para ouvirmos a outra parte e expressarmos também o que sentimos. As vítimas ficam agarradas ao “e se?”: “E se tivéssemos falado? E se tivesse tido a oportunidade de dizer isto? Se tivesse notado e agido mais cedo?” É um “mecanismo de tortura psicológica” provado pelo “silêncio e o vazio” de nunca sabermos realmente o que aconteceu.
Há pistas que podem indicar que alguém nos vai fazer ghosting?
É mais provável que aconteça “quando as relações vivem na maior parte do tempo ou exclusivamente no digital”, alerta a psicóloga. Depois, podemos estar atentos a alguns sinais: “Como é que esta pessoa expressa o que sente por mim? É explícita, ou vou lendo nas entrelinhas o que ela quer dizer? Eu acho que ela me ama, mas, na verdade, nunca mo disse? Acho que namoramos, mas nunca me chamou namorada?” Ou seja, é importante que haja “clareza na comunicação”.
Depois, é necessário perceber se há, naquela relação, espaço para expressar sentimentos, e se estes são valorizados. Mais ainda, devemos “tentar perceber se há uma rede de suporte na qual ambas as pessoas se sentem integradas”: “Há pessoas que nunca conhecem os amigos ou a família da pessoa com quem estão. E isso é estranho e não é saudável.”
Devo ir à procura de respostas?
Cada um deve “perceber as suas necessidades”. Há pessoas que terão essa necessidade e, sublinha a psicóloga, têm esse direito. Mas, “por mais que achemos que sem aquela informação não vamos conseguir seguir em frente, isso não é verdade”.
“Vale a pena as pessoas munirem-se de amor-próprio. Perceberem que têm o direito de pedir informação, mas que não o façam à custa de perder a dignidade. Se do outro lado encontram uma porta fechada, vale a pena criarem alguns limites de salvaguarda pessoal”, defende Filipa Jardim da Silva.
O importante é lembrar que “esse comportamento diz mais da pessoa que o pratica do que de quem é vítima”, e que estas “podem ser oportunidades de desenvolvimento pessoal e de aprendizagem”. A psicóloga aconselha a procurar suporte na rede de amigos, família e até de profissionais. E avisa que não devemos “deixar de ter capacidade para confiar no outro”.
Como posso acabar um relacionamento de forma correcta?
É simples: “Com respeito e autenticidade.” Aliás, “deveria ser obrigatório só começar uma relação se se souber comunicar e terminá-la”, brinca a psicóloga.
Não é tão fácil como desaparecer, mas a forma correcta de acabar um relacionamento é feita ao “expressar ao outro o que sentimos, em vez de dizermos o que achamos que ele quer ouvir”. Na verdade, este trabalho deve ser feito ao longo de toda a relação: “As pessoas com inteligência emocional vão comunicando o que estão a sentir, quando notam que é um sentir persistente, que não se reverte.” E deve ser dado espaço à outra pessoa para também se expressar.
“Devemos tratar o outro como um ser humano com recursos emocionais e cognitivos. Ele aguentará o que tenho a dizer, se o disser de uma forma respeitadora. Não precisamos de destruir uma relação ao acabar um relacionamento. Podemos acabar com respeito e gratidão pelo que nos uniu, enquanto nos uniu.”
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