Aprender a viver juntos numa sala de aula

Não se pode criar uma relação pedagógica saudável sem antes criar uma relação formal. Esta é, sem dúvida, o ponto de partida para a garantia de uma relação pessoal.

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"Aprender exige esforço, empenho, regras, disciplina, empatia e uma salutar relação pedagógica" Adriano Miranda/Arquivo

“Se o Mestre for verdadeiramente sábio, não convidará o aluno a entrar na mansão de seu saber, e sim, estimulará o aluno a encontrar o limiar da própria mente, através do seu empenho.”
Khalil Gibran

Desconstruir preconceitos de quem agora começa na arte de ensinar é o intuito deste texto.

Um dos livros que me marcou aquando da minha passagem pela faculdade foi o Aprendendo a Viver Juntos, de António Luís Montiel. Na época, ainda antes de iniciar o meu percurso profissional como professor, ao lê-lo concluí o que hoje, ao fim de mais de década e meia, posso confirmar.

Não se pode criar uma relação pedagógica saudável sem antes criar uma relação formal. Esta é, sem dúvida, o ponto de partida para a garantia de uma relação pessoal, que ao respeito pelo outro, aceitá-lo como uma pessoa livre e única, sem julgar os seus atos e a sua maneira de pensar e ver as coisas.

Contudo, dentro da sala de aula, deve haver primeiramente uma relação formal, onde a superficialidade e o distanciamento no trato coexistam. Uma professora minha dizia-me sempre que numa turma nova que tivéssemos devíamos seguir o ensinamento, que havia recebido quando estudava nos EUA, que constava no seguinte: “Don't smile until Christmas”. Durante estes três ou quatro meses devemos apostar na consolidação da relação formal.

Depois desse tempo passado, poderemos chegar a uma relação pessoal com os alunos se a nossa atitude for de cooperação. Com certeza haverá riscos de conflitos, choques de personalidade, testes aos limites, mútuos, mas o papel do professor será o de alimentar a esperança de uma inicial relação formal favoravelmente fecunda de relações pessoais. Para que tal seja possível, temos de ser capazes de acomodar na nossa própria subjetividade as diferentes subjetividades dos nossos alunos.

Para isso, é necessário fomentar uma relação educativa que respeite o protagonismo do aluno no seu processo de aprendizagem, mas que não esqueça o papel do professor, que apesar de cooperador será sempre quem legitimamente estará pronto a indicar os limites. Aqui, como referi atrás, está implícito o papel de professor como cooperador. Tem de haver empatia numa relação pedagógica, um esforço intelectual para nos podermos identificar com o outro, pormo-nos no seu lugar e compreendê-lo. Também creio, que como Carl Rogers disse, a congruência é imprescindível para alcançarmos uma boa relação pessoal.

A grande condição das boas relações pessoais é que devemos ser dois, eu e o outro, neste caso o aluno, assumindo-nos pessoalmente no encontro e respeitando a autonomia e liberdade do outro. Isso só será possível num ambiente de diálogo confiante, cooperativo e onde as regras sejam não só claras como estejam acomodadas por todos. Tem de haver forçosamente também um ambiente de confiança, sendo sinceros, solidários e fiéis, não só para connosco como para os outros. Para que isso seja possível, temos de assumir-nos, acolher o outro, renovar-nos, mostrar-nos, respeitar o outro e reconciliarmo-nos.

Numa relação pedagógica que se quer saudável é necessário que os atores entendam a reconciliação, a desculpa e o perdão como instrumentos de crescimento salutar da própria relação. Devem também perceber a diferença entre perdoar e desculpar, com a certeza de que são bem diferentes, quase antónimas. Perdoar não é mais que retirar a pena, o castigo que o outro merecia. Desculpar é reconhecer que o outro não tem culpa do ato que cometeu, fê-lo sem querer.

Como então saber quando desculpar um aluno? Basta saber que ele fez “sem querer”, que é inocente, logo, sou obrigado a desculpá-lo. Perdoar um aluno, cabe a mim decidir se o faço ou não, visto o mal ter sido feito propositadamente e ele ser culpado. Ele jamais me poderá pedir que esqueça o mal que fez, mesmo que o perdoe.

Aprender a viver na sala de aula é um bem necessário à aprendizagem. Aprender exige esforço, empenho, regras, disciplina, empatia e uma salutar relação pedagógica. Não se iludam com as narrativas de que os alunos acham as aulas enfadonhas e por isso temos de as tornar mais apelativas. Nem tudo na vida é ou será apelativo e é na infância e na juventude que podemos consolidar as competências como a resiliência.

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