Estes espumantes não são apenas para o fim do ano (mas ficam bem na festa)

Sim, abram-se garrafas por estes dias, mas temos de perceber que um espumante não é apenas um vinho de festa. Deve estar nas nossas mesas durante todo o ano como qualquer outro vinho.

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Quinze espumantes para a Passagem de Ano e para qualquer outra festa durante o ano Nelson Garrido

Comecemos com uma declaração elementar: o espumante é um vinho como outro vinho qualquer. Sim, é um vinho tecnicamente exigente e rodeado por um imaginário muito bem construído a partir de França e sempre associado à alegria (também dá jeito em estados tristes), mas, em rigor, devemos beber espumantes como bebemos os brancos e os tintos que nos encantam na nossa relação diária com o vinho. Um espumante não foi criado para ser aberto no final da noite de 31 de Dezembro, no dia do aniversário, naquele jantar de celebração ou apenas nos almoços na Mealhada. Melhor dito, o espumante não foi apenas criado para essas datas.

Ele é um vinho que pode e deve estar à mesa ao longo de todo ano para acompanhar uma infinidade de pratos da nossa gastronomia e das gastronomias exóticas que se instalaram por cá. Um espumante acompanha muito bem fritos, conservas, enchidos, presunto, queijo de pasta dura, bivalves e mariscos, assados variados (leitão e não só), pratos com algumas especiarias, algumas saladas e um sem número de sobremesas. Tudo isso sem esquecer que não há forma mais alegre e sofisticada do que receber um amigo em casa com copo de espumante. Uma cerveja não faz a mesma coisa.

Donde, num país com um Inverno envergonhado e um Verão que começa em Maio e vai até Outubro, porque não bebemos mais espumante? A razão parece ser uma mistura de hábitos arreigados, falta de vontade para arriscar e, acima de tudo, a ideia de que o espumante será — por razões que vêm de França — um vinho caro, só ao alcance dos ricos que gostam de exibir poder. Ora, é bem o contrário.

Terras do Demo Bruto Natural 2021 Nelson Garrido
Quinta da Mata Fidalga Reserva 2020 Direitos Reservados
Monte Formigão Reserva 2019 RICARDO ALMEIDA
Baga Bairrada Primavera 2017 RICARDO ALMEIDA
Aliança Grande Reserva 2017 RICARDO ALMEIDA
Hibernus Grande Cuvée 2016
Luiz Costa 2016 RICARDO ALMEIDA
Argau 2016 Direitos Reservados
Grande Aplauso 2015 RICARDO ALMEIDA
Cá da Bairrada Grande Cuvée 2010 RICARDO ALMEIDA
O espumante reserva da Família Hehn Nelson Garrido
Vertice Gouveio 2014 Direitos Reservados
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Terras do Demo Bruto Natural 2021 Nelson Garrido

Em Portugal — e como se verá mais à frente —, os espumantes são vinhos baratos. Nalguns casos, face ao tempo de estágio nas caves e ao conhecimento que requerem no processo produtivo, são até demasiado baratos (o melhor vinho do mais recente concurso da Bairrada foi um espumante com 12 anos e que custa 20 euros...). Estamos, portanto, perante um problema de mentalidades que, como é sabido, não se mudam de um dia para outro. E nós, no Terroir, prometemos que daqui em diante apresentaremos espumantes todos os meses, tratando-os como se fossem um normal vinho branco, tinto, Porto, Madeira, Moscatel ou Carcavelos.

Sobre castas, solos, vinhos base, processos de espumantização, leveduras, tempo de estágio em cave, níveis de açúcar e, claro, as muitas histórias que guardam as caves da Bairrada e de Távora-Barrosa, há muito para contar. Embora se façam espumantes entre Melgaço e a Madalena (Pico), é fundamental que os consumidores percebam por que razão a Bairrada e Távora-Varosa são casos à parte nesta matéria. Em Portugal produzir-se-ão por ano entre 11 e 12 milhões de garrafas. A Bairrada, com muitos operadores, certifica cerca de 3,3 milhões de garrafas; Távora-Varosa, com 6 empresas, 2,7 milhões.

De maneira que, para início de conversa, aqui ficam algumas sugestões sem outro critério que não a diversidade de perfis ou o tempo de vida dos vinhos em cave, sendo que alguns dos vinhos da Bairrada participaram num recente concurso da região.

São vinhos que podem obviamente ser abertos por estes dias, mas com o insistente conselho (é quase um pedido): estes espumantes não foram feitos apenas para a Passagem de Ano. Temos que meter a imaginação a funcionar nas 52 semanas do ano. Aliás, e adaptando à nossa realidade a famosa frase do Oscar Wilde, “só pessoas sem imaginação não conseguem encontrar um motivo para beber espumante”.

Quinta da Mata Fidalga Reserva 2020

  • Bairrada
  • 12 euros

Um curioso espumante jovem que é capaz de ser caso único na junção das castas Bical (fundamental para a cremosidade da espuma) e Cercial, importante para introduzir acidez (e de que maneira). Se o nariz é delicado, com umas notas frutadas e florais, na boca há uma potência inicial impressionante. Com uma acidez tão vigorante (isto acalmará daqui a algum tempo), é um espumante que entra na boca e ficamos logo à procura de comida. Idealmente, qualquer coisa frita.

Monte Formigão Reserva 2019

  • Bairrada (Terras de Sicó)
  • 10 euros

Espumante recentemente medalhado com ouro no concurso de vinhos da Bairrada, é feito a partir da casta Baga, chega ao copo com tons rosados e num registo aromático muito subtil (algo que faz lembrar cereja ou ameixa). Na boca, notas de fruta e espuma delicada, mas não muito persistente.

Trabuca Grande Cuvée 2017

  • Bairrada
  • Baga, Cercial e Chardonnay
  • 55 euros

António Guilherme é conhecido na Bairrada como o Trabuca. Em miúdo era ronceiro a jogar futebol e a malta mais antiga recordava-lhe que ‘quem não trabuca não manduca’, como que a incentivar o rapaz a correr atrás da bola. Como somos portugueses, o Trabuca passou para o filho – Pedro, o autor deste espumante – e para os netos. Trabucas não faltam na Bairrada. De maneira que assim nasceu este espumante de homenagem e que é um vinho mais grave e sério, que revela algumas notas de evolução, pastelaria, maçã ácida e erva seca. Um espumante guloso que parece ter tido algum trabalho de madeira no vinho base. Parece.

Baga Bairrada Primavera Grande Reserva 2017

  • Bairrada
  • 14 euros

Clássico de uma casa com muita história na região, apresenta-se com notas de frutas mais maduras ou alicoradas. O tempo de estágio sobre borras dá-lhe peso, com um perfil ligeiramente doce. Para certas sobremesas, um espumante impecável, que revela que houve inteligência quando a Comissão Vitivinícola da Bairrada se lembrou, em 2017, de criar a categoria Baga Bairrada. A partir de agora é que começamos a perceber a riqueza dos Baga Bairrada.

Aliança Grande Reserva 2017

  • Bairrada
  • Baga e Chardonnay
  • 20 euros

Um exemplo perfeito (surpreendente, mesmo) de harmonia entre aromas e sabores. No nariz tudo é delicado, ainda que que se sintam notas marinhas à mistura com sensações mais químicas e aqueles cheiros de uma pastelaria feita à base de manteiga. A boca, com notas ligeiramente evoluídas, recupera tudo isso com a delicadeza da praxe. Um espumante elegante com a mão de Francisco Antunes, que sabe de espumantes como pouca gente.

Hibernus Grande Cuvée 2016

  • Bairrada
  • Baga, Arinto e Chardonnay
  • 30 euros

José Carvalheira é um estudioso e um dos mais respeitados técnicos da Bairrada, pelo que qualquer amante de espumantes deve conhecer a linha Hibernus (são três vinhos). Talvez pela reunião de castas, talvez pela passagem do tempo – o elemento fundamental para a construção de um grande espumante – este é um vinho complexo do ponto de vista aromático (fruta e notas marinhas), sendo que é a finura da bolha e a cremosidade da espuma que encantam. A casta Arinto dá tensão peculiar a um espumante que merece ser provado e comentado com calma.

Luiz Costa 2016

  • Bairrada
  • Pinot Noir e Chardonnay
  • 20 euros

Aqui está um espumante que já é considerado um clássico pelos conhecedores e que, atendendo às castas que lhe dão origem, apresenta-se com um sotaque intensamente francês, visto que as notas de pastelaria e de fruta (pêssego/alperce) estão em evidência. Na boca, o ataque é forte e o final é muito cremoso (cortesia do Chardonnay) e longo. Fantástico.

Argau 2016

  • Bairrada (Beira Atlântico)
  • 9 euros

Adelino Teixeira é técnico de viticultura da Quinta da Romaneira (no Douro), obcecado pela cultura do azeite e produtor de espumante numa terra improvável: Sever do Vouga, mais dada a mirtilos do que a vinhas. Ora isso não impediu que Adelino plantasse em dois hectares com solos mais graníticos as grandes castas francesas (Pinot Noir, Chardonay e Pinot Meunier) para fazer este Argau, que, com seis anos, apresenta-se com umas curiosas notas de maçã oxidada e frutos secos. Na boca, sensações mais adocicadas, provavelmente por via do perfil do licor de expedição.

Grande Aplauso 2015

  • Bairrada
  • Baga e Chardonnay
  • 22 euros

É Grande Aplauso porque o seu criador – Pedro Soares, que também é presidente da Comissão Vitivinícola da Bairrada – é um dos músicos que acompanha José Cid. Apesar de a Baga estar em maior peso, é o Chardonnay que nos remete para as clássicas notas de pastelaria, de manteiga e de tostados variados. A boca segue o mesmo perfil, com uma bolha suave e acidez contida. Boa evolução no tempo.

Colinas Rosé de Pinots 2012

  • Bairrada
  • Pinot Noir e Pinot Meunier
  • 52 euros

Um caso sério em matéria de complexidade e que tem por objectivo assumido imitar o que de melhor se faz em Champagne. Ao fim de dez anos, ainda sentimos fruta fresca (ginja, cereja) e fruta confitada. Na boca juntam-se sabores de geleia de frutos, tudo envolvido com uma textura tensa, mas também cremosa e muito sofisticada. Uma pessoa prova o vinho e fica a pensar que uns peixes fumados calhavam muito bem.

Cá da Bairrada Grande Cuvée 2010

  • Bairrada
  • Bical e Arinto
  • 22,5 euros

Aqui está a prova de que com castas nacionais é possível fazer-se um espumante com muito nível e capacidade de evolução. Aliás, evolução – e da boa – é tudo o que sentimos neste espumante das Caves da Montanha, que foi eleito recentemente como melhor vinho no Concurso de Espumantes e Vinhos da Bairrada. Fruta madura e fruta confitada envolvem-se numa mousse tão fina que não custa nada a perceber por que razão encantou os jurados do concurso. E assim se percebe que o tempo faz muito bem a estes vinhos.

Murganheira Vintage 2013

  • Távora-Varosa
  • Pinot Noir
  • 29,95 euros

Na região que consegue vinhos base com alguns parâmetros analíticos de fazer inveja em Champagne (caso do pH), a Murganheira é um caso de sucesso reconhecido por toda a gente. E entre diferentes marcas para diferentes posicionamentos, aposta em vinhos com estágio longo em cave, como é o caso deste Vintage, feito com Pinot Noir. No nariz é como se fosse um perfume que mistura diferentes variedades de maçã, em ligação com certas notas típicas das leveduras de estágio na garrafa. Bolha muito fina e acidez notável, que apetece estar sempre a provar para se descobrir novos descritores.

Terras do Demo Bruto Natural 2021

  • Távora-Varosa
  • 7,95 euros

Convém sabermos que a Cooperativa Agrícola do Távora-Varosa certifica anualmente qualquer coisa como 1,7 milhões de garrafas de espumante. O que impressiona neste vinho tão jovem é, desde logo, a formação da espuma no copo. Vem da base e do centro uma linha fina de bolhas para se espalhar para as laterais do copo. Bem bonito. Do ponto de vista aromático, caminha para as notas de maçã bem perfumada, algo a fazer lembrar a maçã Bravo de Esmolfe. Na boca, um perfil com uma nota ligeiramente mais doce.

Vértice Gouveio 2014

  • Douro
  • 33,50 euros

De outra grande casa de espumantes nacionais há vinhos tão extraordinários que se esgotam num fósforo (caso do Vértice Rosé, que tem uma aptidão gastronómica impressionante). Este que é feito de uvas da casta Gouveio plantadas no Douro a grande altitude é muito rico de aromas, com notas de conchas, de frutos secos, ervas ou bolo inglês. É por esta complexidade que o vinho encanta. Belíssima acidez e cremosidade.

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