Fotogalerias
Nem todas as mesas de Natal rimam com saúde mental
Memories é a narrativa visual de Inês Costa Monteiro sobre um Natal onde se dá e recebe vulnerabilidade.
Numa das imagens de Inês Costa Monteiro, uma pessoa chega ao jantar de Natal com um presente e uma pergunta: “Como tens (estado desde o ano) passado?”. A primeira pergunta, bem embrulhada, é o início de um encontro anual que, apesar de glamorizado em filmes e anúncios, nem sempre é bonito de se ver.
Em Memories, a fotógrafa e directora criativa freelancer leva para a mesa (sem idade, género ou classe social) uma “narrativa natalícia” que diz ser deixada de fora, quase de forma curatorial. Nas cadeiras: a dissociação depois de um comentário não-solicitado — “estás mais gorda!”—; o sentimento de “não-pertença a uma mesa que nos viu crescer” ou a incapacidade de lidar com diferentes opiniões; a solidão; o luto; a falta de empatia pela saúde mental ou pela identidade de alguém. O aumento do custo de vida e das pessoas que pedem ajuda financeira pela primeira vez para pagar contas básicas poderão ser outras fontes de ansiedade numa altura muito conectada ao consumismo.
As imagens são auto-retratos mas não são biográficas, explica Inês Costa Monteiro, 28 anos, que espalhou algumas pelas paredes de Lisboa. Ainda assim, a fotógrafa fala sobre os ataques de ansiedade que se seguiram a um burnout em 2019, depois de um primeiro ano “caótico” como trabalhadora independente. “Escolhi auto-retratos para que sentissem que não era um editorial de moda e não era uma reportagem sobre casos específicos. Não queria fazer uma coisa de moda e a moda estar a aproveitar-se do tema, mas não queria que o espectador se sentisse desconfortável”, responde.
A saúde mental foi o assunto escolhido para muitas campanhas natalícias de grandes marcas, uma escolha que foi recebida com cepticismo e que deu mote uma discussão sobre normalização ou mercantilização de um grave problema de saúde pública. Inês, que trabalha maioritariamente com publicidade, não tem o luxo da ingenuidade, mas comenta: “Acaba por ser mais positivo do que vender só o amor normativo ou milagres. A saúde mental ter-se tornado um tema no mundo publicitário mostra que está cada vez mais normalizado.”
Uma tradução visual de algumas situações-trigger que podem surgir no Natal é a prenda dela para todos. O que pede? Espaço e tempo para a vulnerabilidade. “É a vulnerabilidade que nos liga enquanto seres humanos, não são as prendas.”