Como encontrei em Portugal o pôr do sol que sempre imaginei

O poente que povoa minha imaginação desde a infância — e pode estar na tua também — tem o sol a descer no mar, uma raridade no Brasil.

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"Repito, agora em Carcavelos, esses momentos de enlevo e um tanto de nostalgia" Letícia Sorg

Tem um costume estranho no Rio de Janeiro que é bater palma para o pôr do sol. Mas isso não acontece em qualquer lugar da cidade. Nem mesmo a qualquer altura do ano. O pôr do sol digno de aplauso é visto a partir do Arpoador, na praia de Ipanema, notadamente no verão.

Essa cena acontece não só porque o verão no Rio é um estado de espírito, que entra pelos poros junto com as altíssimas temperaturas e a vontade de estar fora de casa. Mas também por uma razão mais prosaica: é nessa época que o sol se põe mais próximo do mar. Nas outras, ele vai se acomodar atrás das montanhas, criando sombras na areia antes do fim do dia.

Dei-me conta disso depois de dois meses em Portugal. Se calhar, cá, nesta tripa fininha de terra que mira o Atlântico, há mais pôr do sol no mar que na imensa costa brasileira de olho para o mesmo oceano, mas a mirar a leste.

Quando me apresentaram a Paúba, uma praia no litoral norte de São Paulo, me disseram: é um dos únicos pontos do Brasil em que o sol se põe no mar. Eu era adolescente e fiquei a imaginar a caprichosa curva que a costa deveria fazer para contrariar a tendência geral da nação. Fato é que, porém, sempre choveu tanto quando lá estive que praticamente não vi o sol.

Só muito mais tarde, em São Miguel do Gostoso, no Rio Grande do Norte, a proeza geográfica se repetiu e pude aproveitar, possivelmente pela primeira vez, um pôr do sol casado com o mar. Àquela época, tinha uma câmera em mãos e registei as crianças a jogar bola na areia, alheias a esse milagre do relevo brasileiro.

Certamente há mais pontos voltados para o sol. E pontos que, em combinação com dunas ou montanhas, fazem do poente um espetáculo único.

Às vezes, porém, não queremos originalidade. Queremos o desenho que entregamos para a professora de educação artística. Os meus tinham a clássica casinha branca ou amarela em cima da montanha, com uma singela árvore do lado. Ou, então, praias com o sol a se pôr caprichosamente ao centro — com os reflexos cor de laranja que eu tentava reproduzir com os parcos conhecimentos de pintura.

É estranho que a minha imagem do pôr do sol fosse essa, que nunca havia visto quando miúda. De certa forma, é como se tivesse importado esse poente de Portugal ou outro país — como a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie havia importado as maçãs dos livros europeus para suas primeiras histórias, como revelou em sua célebre palestra no TED sobre “O perigo da história única”.

Quando me dei conta disso, entendi a origem da minha alegria em Brighton, em 2017. Não só porque tive a sorte de viver um dia de céu azul na chuvosa Inglaterra, mas porque presenciei um pôr do sol digno de desenho infantil. Com a participação especial de um pier que pegou fogo e cujos restos retorcidos foram mantidos, numa espécie de ode ao passado glorioso.

Anos depois, voltei a encontrar a mesma sensação em Aruba, em uma viagem de trabalho (sim, era um ótimo trabalho). Ali, era a jornalista, mas foi a mesma criança quem tirou, já com o telemóvel, as fotos daquele sol gigante e dourado se despedindo rumo ao mar. Estava acompanhado de um plácido barquinho que parecia estar ali apenas para agradar o fotógrafo amador.

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Pôr-do-sol em Aruba Letícia Sorg

Repito, agora em Carcavelos, esses momentos de enlevo e um tanto de nostalgia. Houve um barquinho e um coqueiro, uma criança a brincar. E um telemóvel a acompanhar a minha suposta corrida.

Descubro que até em Aveiro, onde só esperava encontrar ovos-moles, lá ele está. Na praia da Costa Nova, aos fundos do casario colorido que atrai os turistas. Talvez, e constato isso com alegria e pesar, o pôr do sol no mar se torne mais comum agora que estou nesta temporada ibérica.

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Pôr-do-sol em Aveiro Letícia Sorg

Mas permitam-me uma visão poética dos navegadores portugueses. Deve ter sido num dia de céu claro e sol esparramado pelas águas que um aventureiro teve a ideia de pegar o barco e tentar buscar, ele próprio, a carruagem de Apolo. Àquela época só não havia telemóvel para o registo.


A autora escreve em português do Brasil.

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