Morreu Nélida Piñon, primeira presidente mulher da Academia Brasileira de Letras

A escritora foi um dos nomes mais internacionalizados da literatura brasileira. Tinha 85 anos.

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Nélida Piñon morreu este sábado no Hospital CUF Descobertas em Lisboa Paulo Pimenta

A escritora Nélida Piñon morreu neste sábado, em Lisboa, aos 85 anos. A informação foi confirmada por Rodrigo Lacerda, editor na Record, casa que publicou livros da autora. A causa da morte não foi divulgada.

A escritora brasileira ocupou a 30ª cadeira da Academia Brasileira de Letras, a ABL, em 1990. Seis anos depois, Piñon tornou-se presidente da instituição criada por Machado de Assis, tornando-se a primeira mulher a assumir o posto.

Piñon estreou-se na literatura com o romance Guia-Mapa de Gabriel Arcanjo, lançado em 1961. Seu segundo livro Madeira Feito Cruz saiu dois anos depois, em 1963.

A autora é, ao lado de Jorge Amado e Paulo Coelho, o nome mais internacionalizado da literatura brasileira. Além de ser parte do "boom" latino-americano, rompeu uma série de fronteiras – e abriu caminhos para escritores brasileiros.

Foi a primeira autora latino-americana a ganhar os prémios Juan Rulfo, o Nobel da América Latina, e foi fundamental na promoção da literatura brasileira no exterior, apresentando nomes como Machado de Assis a autoras como Susan Sontag.

Quem a ouvia contar, sempre de modo afável, suas histórias com os maiores nomes da literatura brasileira e universal (sobretudo hispano-americana) do século XX, pensa que Piñon percorreu uma estrada recta, sobre roldanas. Puro engano.

Logo após a publicação de seu livro de estreia, Guia-Mapa de Gabriel Arcanjo, Piñon recebeu críticas duras. "Tive campanhas de escritores que sistematicamente me atacavam. Teve um escritor que dizia ‘nunca seja como Nélida Piñon’. Mas eu nunca desisti. Nunca fiz disso matéria de ressentimento", afirmou em entrevista a este jornal em Junho.

Os convites para aulas e palestras no exterior nos anos 1970 eram um jeito de pagar as contas. Nos jantares, ela conta que se sentava na cadeira mais distante dos principais nomes da época. A cada vez que o microfone caía na sua mão, via uma oportunidade de fazer sua voz ser notada — e ampliar seu espaço.

Em 2005, pelo conjunto de sua obra, recebeu Príncipe de Astúrias, o maior prémio de literatura espanhol. Ela foi a primeira brasileira a conseguir o feito, na época derrotando o israelita Amos Oz e os americanos Paul Auster e Philip Roth. Até hoje nenhum outro brasileiro foi agraciado com o título.

Apesar das conquistas, Piñon acreditava que seu reconhecimento dentro de seu próprio país ficava aquém ao que tem fora do Brasil. "Eu acho que sou respeitada. Se eu tivesse ganhado hoje o Príncipe das Astúrias, a reacção teria sido diferente. Não estou me exibindo", disse à Folha.

Por amor ao avô, Daniel, o primeiro de seus antepassados a cruzar o Atlântico, a escritora nunca requereu a nacionalidade espanhola. Acreditava que a sua travessia não havia sido em vão e que ela, mesmo tendo passado parte da infância na Galícia rural como uma pastorinha, precisava seguir com seu legado no Novo Mundo.

Nem mesmo o vínculo profissional e cultural que estabeleceu com a Espanha — como única autora (e autor) do Brasil a fazer parte do chamado "boom latino-americano" liderado por sua agente Carmen Balcells, que morreu em 2015 — a demoveu da lealdade familiar.

Foi preciso que o governo espanhol, por mérito, concedesse a ela a nacionalidade, em 16 de Novembro de 2021, para que Piñon passasse a ser brasileira e espanhola, como seu avô.

Para retribuir, a escritora doou neste ano 8000 volumes de sua biblioteca pessoal para o Instituto Cervantes, no Rio de Janeiro, que promove o ensino de língua e cultura espanhola. Foi um dos seus grandes últimos feitos em vida.

A colecção tinha exemplares autografados por nomes como Jorge Amado, Toni Morrison, Gabriel García Márquez e outros que cruzaram a vida de Piñon.

A escritora foi doutora honoris causa das universidades Poitiers, Santiago de Compostela, Rutgers, Florida Atlantic, Montreal e UNAM. O título é dado a personalidades que se destacam pela actuação em defesa das artes, da ciência e das letras. Em 2012, foi nomeada Embaixadora Ibero-Americana da Cultura.

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Nélida Piñon em Nantes, 2013 Mathieu Bourgois

​Nota do editor: o PÚBLICO respeitou a composição do texto original, com excepção de algumas palavras ou expressões não usadas em português de Portugal.

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