“Wong? O seu nome é... muito peculiar”
Não sei o que se passou entre Ngozi Fulani e lady Susan Hussey, mas sei o que é perguntarem-me de onde vim, porque tenho este nome.
Fui fazer o reforço da vacina da covid-19 e diz-me a enfermeira: “Wong? O seu nome é... muito peculiar, quer dizer, é raro...” Cansadinha de explicar o meu nome a quem esbarra com ele, respondi-lhe: “Olhe que não. São os Wong na China e os Silva em Portugal, aos montes!"
Silva é o apelido mais comum em Portugal. Continua a enfermeira, uma jovem que não tinha 30 anos: “Tenho uma colega que também se chama Wong, não é comum.” Eu rio-me e digo-lhe: “Está a ver como se contradiz? Então, até tem uma colega com o meu nome. Estou a dizer-lhe, é como os Silva!” E ela espeta-me a agulha com força no braço.
A bem da verdade, o meu Wong é incomum se escrito em caracteres chineses. A última vez que estive na China foi em trabalho, mostrava o meu apelido — que o meu pai imprimiu nos meus cartões-de-visita do jornal — e as autoridades tinham dificuldade em lê-lo, só conseguiam ler o meu primeiro nome, que em chinês não é Bárbara. E, depois, pediam-me para o dizer e eu não sei, nunca me ensinaram mandarim.
O meu nome pode ser dito como bem quiser o interlocutor que o lê. Na televisão, o professor Marcelo dizia “Vongue” porque o “W” em alemão vale por “V”. No dentista sou “Young” porque confundem o “W” com o “Y”. Também há quem aposte em “Long” vá-se lá saber porquê. Já recebi uma encomenda com “Wrong”, o que adoro, porque, efectivamente, parece tudo mal! Como diria a enfermeira, depois de uma pausa de indecisão é... “peculiar”.
Como é que uma pessoa que, aparentemente, é igual a qualquer outra da maioria em Portugal (e, por maioria, diga-se “branca”), se chama Wong? Assim, ao longo dos anos, da gente mais simples à colocada nos mais altos cargos, já ouvi todas as versões: “O seu marido é chinês?” (Não, é o meu pai); “Onde é que arranjou este nome?” (O meu pai é chinês); “Wong é japonês?” (Não, é chinês); “Young é inglês?” (É, mas eu sou Wong, é chinês); “Onde é que nasceu?” (Na Alemanha, onde os meus pais estudavam); "Oom? O seu paizinho é o pediatra?" (não, é o engenheiro Wong); “Veio de Macau?” Gosto particularmente desta, porque revela que podemos ser portugueses de tantas partes do mundo, mas desiludo quando digo: “Não, o meu pai é de Hong Kong.”
E, invariavelmente, a conversa continua com um “Não parece nada chinesa” (Sempre tenho uma mãe portuguesa...). A conversa só descarrila e deixa de estar no nível da curiosidade para passar a outro, quando me dizem que as chinesas são todas iguais, são “feias”, têm as pernas tortas e que eu não me pareço nada com elas. Ou, num tom agressivo, me perguntam: “Como é que isto se lê?” (“Isto” é o meu nome...) Aí, passa ao nível da estupidez humana ou do racismo.
Não sei o que se passou entre Ngozi Fulani e lady Susan Hussey, mas sei o que é perguntarem-me de onde vim, porque tenho este nome. Perguntam-me desde sempre e, certamente, acontece o mesmo com Ngozi. As perguntas são naturais e acredito que quer eu, quer Ngozi, quer qualquer outra pessoa a quem confrontam com as suas origens sabe interpretar a forma como as fazem. Esta interpretação não depende se estamos num dia bom ou num dia mau — depende da entoação que o outro dá, do seu olhar, da sua linguagem corporal. Tudo isso somado nos diz se o outro é um ser curioso ou é simplesmente racista.