Macron critica plano económico americano “superagressivo” para a Europa
Chefe de Estado francês lamenta que lei emblemática para Joe Biden não tenha sido discutida previamente com França e alerta para um risco de arrefecimento das relações transatlânticas.
O Presidente francês desembarcou em Washington na quarta-feira para uma visita oficial de três dias e não perdeu tempo a mostrar ao que vinha. Primeiro num almoço com empresários e congressistas norte-americanos, depois numa recepção na embaixada francesa, Emmanuel Macron deixou claro que não vê com bons olhos o plano da Administração Biden para acelerar a transição energética dos Estados Unidos, que inclui subsídios directos à indústria para favorecer os produtos made in America.
“É superagressivo para as nossas empresas”, queixou-se Macron no almoço do Congresso, pedindo à plateia que o escutava que se pusesse no seu lugar. “Ninguém me contactou quando o IRA [Inflation Reduction Act] estava em discussão. Tenho uma classe média [que precisa de] trabalhar e pessoas à procura de emprego. A consequência do IRA é que vocês vão resolver o vosso problema, mas vão agravar o meu. Desculpem por ser tão directo”, disparou o Presidente francês, citado pela AFP.
O Inflation Reduction Act, ou Lei da Redução da Inflação, aprovado por Biden no Verão e que deve entrar em vigor em Janeiro, é um plano climático e energético de 370 mil milhões de dólares, que, entre outras coisas, contém incentivos directos às empresas que produzam veículos eléctricos e baterias em solo americano.
O ministro francês das Finanças, Bruno Le Maire, já tinha dito à sua homóloga americana, Janet Yellen, que França e a União Europeia consideravam o pacote como uma iniciativa proteccionista que deixava em desvantagem os aliados europeus dos Estados Unidos e que havia o risco de um arrefecimento das relações transatlânticas.
Macron insistiu no mesmo argumento na quarta-feira à noite, ao encontrar-se com a comunidade francesa na embaixada em Washington. “As escolhas feitas, ainda que eu partilhe dos objectivos, em particular o IRA, são escolhas que vão fragmentar o Ocidente”, declarou o chefe de Estado, acrescentando, no entanto, que “não acredita nem por um segundo” que Joe Biden venha a mudar o rumo da legislação.
Os dois Presidentes tiveram um primeiro contacto na quarta-feira, com um jantar informal, e é nesta quinta que decorrem as reuniões de trabalho e o restante programa oficial, que inclui salvas de canhão e jantar de gala – o primeiro da presidência de Joe Biden.
Segundo fontes do Eliseu ouvidas pela imprensa francesa, Macron pretende uma abordagem “construtiva” com Biden que permita que França e a Europa “avancem de mãos dadas” com os Estados Unidos. “O Presidente assume as suas palavras. Não há qualquer surpresa. Ele não veio a Washington para celebrar a aliança, mas para falar de assuntos sérios”, disse ao Le Monde um conselheiro do chefe de Estado.
Ao mesmo tempo, os responsáveis de ambos os países reafirmam a amizade sólida que os une. Antes de Emmanuel Macron se dirigir ao Congresso, a vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, saudou França como um “aliado vital para os Estados Unidos”. E o Presidente francês declarou que esta “é uma aliança mais forte do que tudo”.
Em Washington, a nova legislação é vista como fundamental para potenciar a transição energética e para competir com a China. O receio de Macron é que, apanhada na concorrência entre as duas superpotências, “a Europa, e portanto a França, [se] tornem uma espécie de variável de ajustamento”.
Da Casa Branca sai o discurso inverso. “Estamos altamente dependentes da China para a maioria dos minerais usados no fabrico de baterias e o objectivo do Inflation Reduction Act é ter cadeias de abastecimento mais adequadas entre os nossos amigos, os nossos parceiros comerciais”, declarou a secretária norte-americana do Tesouro, Janet Yellen, numa conferência do The New York Times.
Na mesma linha, uma porta-voz de Joe Biden disse que o novo pacote “apresenta oportunidades significativas para as empresas europeias e benefícios para a segurança energética da União Europeia.”