Listas de coisas que não fazemos
Quanto a não ser uma mãe perfeita, assumo em absoluto que não sou, mas gostava de ir mais longe — queria nem sequer tentar.
Querida Mãe,
Estamos constantemente a coleccionar feitos. A somar resultados, e é por eles que toda a gente nos pergunta. Mas acabei de realizar que nos esquecemos de valorizar o que não fazemos!
E repare, mãe, podem até ser coisas bem mais relevantes.
Leia a minha lista e veja se não é de celebrar tudo isto que não faço:
- Não mato pessoas.
- Não consumo drogas.
- Não desperdiço o meu tempo a jogar curling (ainda que seja uma modalidade olímpica).
- Não comecei nenhuma guerra.
- Nunca digo que não quero uma sobremesa e depois como a do meu marido (esta levou alguns anos a aperfeiçoar).
- Nunca deixei de usar jardineiras (mesmo quando não estão na moda).
- Não arrumo o meu carro (o que pode parecer um defeito, mas deixa-me tempo para outras coisas).
- Não parei de perseguir o sonho da música, apesar de ir contra todo o bom senso (o que me deixa feliz).
- Não corro (apesar de ser trendy).
- Não tento ser uma mãe perfeita (é realmente muito difícil e exige treino diário, mas é fundamental).
E a mãe... O que não faz?
Querida Ana,
Obrigada, sinto-me confortada por esta tua revelação, e sobretudo por saber que não cometes homicídios, não te metes em drogas, nem começas guerras, o que nos tempos que correm é um feito de que poucos se podem orgulhar.
Puxei pela cabeça e aqui vai a minha lista de “inacções” que, suspeito, contribuem muito mais para o bem da humanidade do que várias daquelas em que gasto a minha energia.
- Não me levanto cedo, e é uma das conquistas que mais tem contribuído para a minha felicidade.
- Não acabo livros se a partir do terceiro capítulo me enchem de tédio.
- Não ponho luvas para jardinar, mesmo sabendo que as unhas vão ficar uma miséria (há um truque, arranhar um sabonete sólido antes de meter as mãos na terra, mas às vezes esqueço-me).
- Não uso o relógio que me dava ordens — mandava-me pôr de pé, sentar-me, comer menos calorias e fazia-me perguntas indiscretas.
- Não perco dois segundos a preocupar-me com o futuro do Cristiano Ronaldo.
- Não cozinho, por muito que o meu grilo interno me diga que é uma falha.
- Recuso-me a deixar de acreditar no Pai Natal e na fada dos dentes.
- Não estrago os netos, só as minhas costas quando me sento no chão para fazer com eles lutas de playmobiles.
Quanto a não ser uma mãe perfeita, assumo em absoluto que não sou, mas gostava de ir mais longe — queria nem sequer tentar. Apetecia-me mesmo ser capaz de matar o assunto, sem culpas, nem recriminações. Vou trabalhar nisso, obrigada pelo incentivo.
O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam.