Iranianos pegam fogo à casa de Khomeini, fundador da República Islâmica

Num dia de funerais e protestos no Irão, activistas dizem que a casa-museu do líder da Revolução Islâmica foi incendiada. Funeral de Kian Pirfalak, de dez anos, morto pela polícia.

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Imagem da casa de Khomeini, a partir de um vídeo divulgado pelo grupo 1500tasvir

A contestação que os iranianos descrevem como uma revolução (o Presidente francês, Emmanuel Macron, já disse o mesmo) tem sido marcada por gestos diários de desafio face a um regime que não hesita em recorrer à força bruta para reprimir a sua população. Vídeos divulgados esta sexta-feira nas redes sociais mostram a casa de família do ayatollah Ruhollah Khomeini em chamas – em algumas imagens, vê-se alguém lançar o que parece ser um cocktail Molotov na direcção do edifício.

O regime desmente qualquer incidente na residência do fundador da República Islâmica, mas as agências AFP e Reuters confirmam a localização dos vídeos que mostram a casa tornada museu em chamas e a multidão de manifestantes a passar, na cidade de Khomein, província de Markazi. As imagens foram inicialmente divulgadas pela página de Twitter do grupo de activistas 1500tasvir

Dois meses depois da morte de Mahsa Amini, a jovem detida pela “polícia da moralidade” por usar o seu hijab (lenço islâmico) de forma incorrecta, os manifestantes, que nunca mais saíram da rua, não têm parado de demonstrar a sua determinação, enfrentando forças de segurança e membros da milícia paramilitar Bassij.

Nas primeiras semanas, enquanto as iranianas lançavam ao ar e queimavam os seus hijabs, ou cortavam os seus cabelos, homens e mulheres empurravam e perseguiam polícias e milicianos armados. À medida que as mortes da repressão cresciam, e com as autoridades a continuar a disparar contra manifestantes pacíficos, os iranianos, na sua maioria jovens, começaram a responder com pedras e cocktails Molotov. Em algumas cidades, principalmente nas áreas onde se concentram minorias especialmente reprimidas no país, como os curdos e os baluches, já houve verdadeiras batalhas campais, ao mesmo tempo que por todo o país têm sido incendiados vários seminários e esquadras dos Bassij.

Em simultâneo, continuam os gestos mais simbólicos de desafio, como não usar hijab, dar beijos em público ou derrubar o turbante dos mullahs (figura religiosa, jurista) na rua (esta prática, “atirar o turbante”, que alguns criticam, tem alimentado concursos online).

Pegar fogo à casa de Khomeini é “um acto de desafio sem precedentes”, provavelmente “o maior acto de desafio possível”, descreve a emissora iraniana Iran International, explicando que terá acontecido de quinta para sexta-feira. Segundo o canal sediado em Londres, ao final da manhã o principal vídeo do incidente tinha sido partilhado dezenas de milhares de vezes nas redes sociais em farsi.

Nas imagens que chegam de Khomein, também se vêem os manifestantes no meio da estrada a gritar “Morte ao ditador”, entre o ulular das iranianas. O slogan que os iranianos ousaram começar a gritar nos últimos anos, dirigido ao líder supremo, ayatollah Ali Khamenei (sucessor de Khomeini), deu origem nas últimas nove semanas a dezenas de outros: a mensagem é sempre a mesma, estas iranianas e estes iranianos querem o fim do regime e do poder dos mullahs, que vêem como assassinos.

Esta semana, os protestos ganharam novo ímpeto, com três dias dedicados a homenagear os 1500 iranianos mortos em Novembro de 2019, durante protestos contra o aumento dos combustíveis, e tem havido notícia de muitas mortes, a maioria entre manifestantes, mas algumas também de membros das forças de segurança.

Uma das vítimas das autoridades é Kian Pirfalak, um menino de dez anos morto a tiro pela polícia quando estava dentro do seu carro, com os pais e os irmãos, na quarta-feira. O seu funeral, onde a mãe descreveu o que aconteceu e acusou o regime de ter assassinado Kian, foi um entre vários realizados esta sexta-feira a juntar multidões. Decorreu na sua cidade, Izeh, na província do Khuzistão, onde vive a maioria dos árabes do Irão, outra das minorias sucessivamente marginalizadas pelo Estado.

Das mais de 15 mil pessoas já detidas desde o início da contestação, pelo menos seis foram condenadas à morte, por acusações que incluem “inimizade contra Deus” ou causar “terror” ao bloquear o trânsito. De acordo com diferentes organizações de direitos humanos, as forças leais ao regime iraniano já mataram mais de 350 pessoas, incluindo mais de 50 menores.

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