Michelle Obama com cabelo ao natural? Os americanos não estavam preparados

Os norte-americanos estavam “ainda a adaptar-se” ao facto de terem uma família negra na Casa Branca. Por isso, a primeira-dama decidiu manter o seu cabelo esticado.

Foto
Depois da saída da Casa Branca, Michelle Obama sentiu-se mais livre para usar o cabelo natural Reuters/JOSHUA ROBERTS/arquivo

A ex-primeira-dama Michelle Obama considerou usar o seu cabelo com tranças enquanto vivia na Casa Branca. Mas, depois, diz que pensou no povo norte-americano. Estavam “ainda a adaptar-se” a terem um Presidente negro na Sala Oval e uma família negra na Casa Branca. Por isso, decidiu manter o seu cabelo esticado, lembrou no Teatro Warner, em Washington, na terça-feira, durante a primeira apresentação de uma digressão de 13 noites pelo país para promover o seu novo livro, A Luz que nos Ilumina.

Teria sido mais fácil manter o seu cabelo com tranças, observou Michelle Obama, mas ​os americanos “não estão prontos para isso”, avaliou, recordando o seu pensamento na altura.

Assim, sacrificou o penteado que mais gostaria para que a Administração do seu marido pudesse concentrar-se em alcançar os seus objectivos em vez de afundar o capital político para lançar uma tempestade induzida por um penteado. “Deixa-me ficar com o cabelo liso”, disse Michelle sobre o seu estado de espírito na altura. “Vamos tratar de fazer passar [a legislação sobre] os cuidados de saúde.”

Mas Michelle Obama não deixa de usar o seu dilema como exemplo extremo das decisões que as mulheres negras tomam diariamente para navegar na política e nas sensibilidades dos seus locais de trabalho. Muitas vezes acham mais fácil, mais saudável e seguro usar tranças, rastas ou um penteado afro, mas sentem a pressão dos padrões de beleza brancos e das normas do local de trabalho, o que as leva a alisar quimicamente o seu cabelo para uma aparência mais profissional e “com ar limpo”.

i-video
Joana Gorjão Henriques,Vera Moutinho

“Nós temos de lidar com isso — tudo sobre ‘Vai aparecer com o seu cabelo natural?’”, apontou Michelle Obama.

As atitudes sobre os penteados negros naturais, tais como tranças e rastas, mudaram. No início deste ano, a Câmara aprovou a Lei CROWN, legislação que visa proibir a discriminação com base no penteado de alguém, incluindo aqueles “em que o cabelo é bem enrolado ou bem encaracolado, mechas, trancinhas, torções, tranças, nós Bantu e estilo afros”. Embora o projecto-lei tenha ficado na gaveta do Senado, o Alasca, em Setembro, tornou-se o 19.º estado a aprovar uma legislação para proteger os negros de serem punidos pela forma como usam o seu cabelo.

A Lei CROWN, original da Califórnia, que significa Creating a Respectful and Open World for Natural Hair (criar um mundo respeitador e aberto para o cabelo natural, numa tradução literal), foi aprovada em 2019.

Apesar da crescente aceitação do cabelo natural, surgem regularmente histórias sobre discriminação baseada no cabelo. Em 2018, um rapaz negro de 6 anos foi impedido de frequentar o primeiro dia de aulas porque usava os seus caracóis abaixo das orelhas. Mais tarde, nesse ano, um árbitro forçou um lutador negro de liceu a cortar as suas rastas antes de o deixar competir. Em 2019, uma repórter de televisão disse que o seu director lhe tinha dito que o seu cabelo natural era “pouco profissional” e pressionou-a a mudá-lo para “o que parece melhor”.

Minda Harts, a fundadora de uma empresa de desenvolvimento de carreira para mulheres negras, contou ao The Washington Post em 2019 sobre uma conversa que teve com uma caça-talentos branca lamentando as suas lutas para recrutar mulheres negras para se tornarem directoras de empresas. Quando Harts lhe perguntou se estaria mais confortável com uma executiva negra com um rabo-de-cavalo ou um penteado natural afro, a mulher optou pelo rabo-de-cavalo “limpo”.

“Estes preconceitos inconscientes e conscientes impedem-nos de ter sequer a oportunidade de ter um lugar à mesa. Ainda nem sequer tivemos a oportunidade de nos apresentarmos, e existem estes pressupostos de não-profissionalismo”, disse Harts na altura. “Vou ser honesta convosco: uso o meu cabelo liso provavelmente 99% do tempo porque, estando na América corporativa, já vi como os clientes que têm tranças e penteados naturais podem ser olhados.”

Na terça-feira, Michelle Obama falou sobre a sua escolha de penteado como primeira-dama com Ellen DeGeneres, que moderou a apresentação. Depois de citar o tumulto de 2014 por causa do fato claro que o seu marido usou, a antiga primeira-dama imaginou as consequências se tivesse mudado o seu penteado.

P3

“Lembra-se de quando ela usava tranças? Isso são tranças terroristas! Essas são tranças revolucionárias!”, brincou Michelle, imitando os seus críticos.

Quase seis anos depois de ter saído da Casa Branca, Michelle Obama usa agora tranças, como revelou a meio da sua conversa com DeGeneres, agarrando o cabelo e gritando “Tranças!!!”, o que arrancou aplausos da audiência.


Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post
Tradução: Carla B. Ribeiro

Sugerir correcção
Ler 2 comentários