Veronica Lake, uma actriz de aparência graciosa e sofisticada, faria esta segunda-feira 100 anos. É, nos dias que correm, pouco lembrada. Diria que basicamente só continua a ser um pouco conhecida por causa do seu cabelo que, convenhamos, é muito bonito sob um ponto de vista convencional: sedoso, esvoaçante, comprido e naturalmente dourado. Porém, aquilo que mais salta à vista é a sua longa franja ondulada a cair sobre o seu olho direito, ocultando parcialmente o seu rosto.
Esta é, definitivamente, a sua imagem de marca. A propósito, vem-me à memória que a minha deslumbrante actriz Rita Hayworth também tinha a mesma imagem de marca, o ondulado e sedoso cabelo, mas esta era também dona de outras qualidades relevantes: senhora de melhores e mais icónicos filmes, um rosto muito mais deslumbrante, uma elegância sedutora, uma leveza e encanto no seu bailar.
Contudo, hoje é ao “reinado” de Veronica que dedico a minha atenção. O seu “reinado”, ainda que curto (durou menos de uma década), foi muito intenso. Contratada pela Paramount (o estúdio mais elegante e europeu de Hollywood), a actriz está essencialmente associada ao noir, tendo feito três filmes deste género com Alan Ladd: Aluga-se Esta Arma, Sou Eu o Criminoso e A Dália Azul (o meu preferido). Os dois formam uma das duplas mais famosas do cinema dos anos 40: são loiros, baixinhos e bem-parecidos.
Nenhum desses filmes chega a ser uma obra-prima, porém tão pouco estão mal. Ele é melhor actor, é verdade, não obstante, Veronica tem algum talento para a comédia e talvez fosse mesmo uma pessoa divertida e que nunca se levou muito a sério (certa vez, disse: “I wasn’t a sex symbol, I was a sex zombie”, o que faz sentido, pois aparenta, a la Bogart, ser algo ensonada e cínica). É unânime considerar A Quimera do Riso, obra-prima absoluta da comédia, o seu melhor filme e é certamente este que lhe garante um pequeno lugar de destaque na História do Cinema. Ainda assim, vale também destacar o divertido Casei com uma Feiticeira, onde Veronica está simplesmente sensacional.
Tinha génio, segundo parece (era escorpião). Fredric March e Joel McCrea não se deram muito bem ao trabalhar com ela. McCrea, o protagonista de A Quimera do Riso, chegou a confidenciar “A vida é muito curta para dois filmes com Veronica” (todavia, chegaria a fazer outro filme com ela).
Bem sabemos que a carreira de um símbolo sexual é curta (a juventude vai embora e há poucos papéis bons para mulheres maduras... e, convenhamos, muitas das vezes as divas glamorosas não são actrizes portentosas) e o caso de Veronica foi particularmente drástico. E porquê? Literalmente porque lhe alteraram o penteado. Durante a Segunda Guerra Mundial, este (chamado de “peekaboo”) era muito imitado pelo público feminino. O facto de ser comprido e ocultar um olho causava acidentes nas mulheres que trabalhavam na indústria de construção de maquinaria. Como boa compatriota, Veronica, sob as ordens do governo dos EUA, mudou o seu penteado e perdeu a sua essência. A sua cara angulosa não é nada de extraordinário e o cabelo, agora apanhado, deixou-a bastante comum, algo matrona e tolheu a sua carreira e popularidade para sempre.
Lauren Bacall, mais conhecida que Veronica, foi catapultada, pela Warner Bros., como uma estrela do mesmo estilo que Veronica. Bacall fez melhores filmes, é mais bonita e melhor actriz. Todavia, a história não pode apagar o feito de Veronica que, ao contrário de esposa de Bogart, foi a mulher elegante, magra, durona e cínica “original” (ou, pelo menos, veio antes de Bacall).
Veronica, alcoólica, viveu somente até aos 50 anos devido a uma hepatite e insuficiência renal agudas. No final da sua vida, trabalhava como camareira, longe do glamour de Tinseltown.