Lagarto, lagarto, lagarto
Confesso-me supersticiosa. Há uma vergonha em admitir isto, porque a verdade é que as superstições não são apenas aparentemente arbitrárias como nos fazem passar figuras ridículas.
Ainda não me perdoei por ter visto a final do Euro 2004 num sítio diferente de onde vi os outros jogos. Lembro-me de chegar à casa onde ia assistir ao jogo com a sensação de que não devia estar ali. Se o sítio onde tinha testemunhado tantas vitórias tinha funcionado, devia tê-lo mantido. Quando o jogo acabou e Portugal perdeu contra a Grécia, tive a certeza que a culpa tinha sido minha. Agora que passaram muitos anos, venho pedir desculpa e esperar que me perdoem.
Confesso-me supersticiosa. Há uma vergonha em admitir isto, porque a verdade é que as superstições não são apenas aparentemente arbitrárias como nos fazem passar figuras ridículas.
As superstições imperam na minha família, onde quis a vida tantas vezes que fossemos treze pessoas para jantar. Se acontece sermos 13, monta-se uma nova mesa ou alguém come no sofá. Se somos 14, há alguém encarregue de se levantar sempre que outra pessoa se levanta, estamos em constante tensão, a jogar uma espécie de jogo da cadeira. Visto de fora é absurdo. E de dentro também não é muito melhor. É estranho ver um jantar cheio de adultos que falam sobriamente de política a criar um alarido se por acaso duas pessoas cruzam os braços enquanto fazem um brinde.
Desde pequena que quando se dizia alguma coisa negativa lá ia a minha mãe bater na madeira enquanto dizia “Lagarto, lagarto, lagarto”. Já vi várias pessoas a bater apenas na madeira sem dizer “lagarto, lagarto, lagarto”, mas parece que invocar o réptil tem um efeito mais fidedigno. Esta obrigação é levada às últimas consequências. Já aconteceu irmos numa viagem de carro e, por não haver madeira à mão, termos de parar no meio do caminho para ir bater numa árvore.
Não há a mínima hipótese de alguém da minha família fazer uma festa de anos dias antes do seu aniversário e, se alguém dá os parabéns antes do tempo, é corrigido com muita severidade, como se fosse um potencial assassino.
Infelizmente, absorvi todas as superstições. Isto apanha-se sem darmos conta. Passei muito tempo a escarnecer da minha família, mas um dia dei por mim a atirar sal para trás dos ombros, “pelo sim pelo não.”
Não marco nada de importante para uma sexta-feira 13 e, se vejo uma das minhas filhas a preparar-se para abrir um guarda-chuva dentro de casa, abalroo tudo no caminho para impedir a catástrofe. Não passo debaixo de escadas, nem sequer de cartazes da rua e entro sempre com o pé direito nos aviões.
Há quem tenha as suas próprias superstições, secretas e indizíveis. Eu tenho as minhas. Há certas roupas que associo a momentos bons e que uso em dias especiais. Outras, pelo contrário, corresponderam a dias tristes e confinei-as ao fundo do armário.
O meu pai tem uma série de superstições pessoais. Em tempos, ele ia buscar todos os meus peluches e punha-os à frente da televisão quando jogava o Benfica. Uma multidão de peluches espalhados na sala.
Tento não conhecer nem procurar novas superstições porque acabo por adoptá-las, não por fazerem particular sentido, mas porque “mais vale prevenir”. E já tenho trabalho que chegue com a quantidade de rituais que sigo.
Na passagem de ano peço sempre os 12 desejos e, como não gosto de passas, uso 12 M&Ms. Permiti-me transformar a prática original, mas sou intransigente desde então e é impensável passar o ano sem comer os 12 M&Ms, sem beber champanhe e sem saltar de uma cadeira para aterrar com o pé direito no chão, à meia-noite.
Transformei-me no tipo mais irritante de supersticiosa, que é a que tenta convencer os outros a fazerem o mesmo. A supersticiosa testemunha de Jeová, que tenta angariar fiéis o tempo todo. Já consegui recrutar algumas pessoas para o clube dos M&Ms.
Se todas estas manias são esquisitas e desprovidas de qualquer tipo de lógica? Sem dúvida. Mas recuso-me a parar e arriscar que alguma coisa verdadeiramente horrível aconteça. Lagarto, lagarto, lagarto.